Guilherme Leme mergulha ‘Romeu e Julieta’ no pop e escapa com vida
Romeu + Julieta – Ao Som de Marisa Monte
★★★★
Teatro Frei Caneca. R. Frei Caneca, 569. Sex., às 20h30; sáb., às 16h e 20h; dom., às 19h. Até 21/10. R$ 75 a R$ 200
A encenação se inspira, como evidencia o próprio nome-marca que adota, em “Romeo + Juliet”, um dos melhores filmes de Baz Luhrmann e talvez a versão contemporânea mais bem-sucedida, ao menos em aceitação do público, de Shakespeare.
A ideia é reunir música pop —bandas como Cardigans e Radiohead no caso do filme de 1996, Marisa Monte no musical brasileiro— com alguns dos diálogos, das falas mais emblemáticas da tragédia.
O resultado, como no filme, é desigual, por vezes levando a peça a perder ritmo. A trama original, das mais envolventes de Shakespeare, precisa ceder lugar às canções do “universo” da cantora —e, mais do que acontecia no filme, nem todas fazem sentido. Algumas letras têm enredo conflitante.
De qualquer maneira, o musical alcança seu intento de aproximar mais a peça do público brasileiro, ainda que muito cortada, inclusive cenas que o filme havia mantido.
Um dos trunfos deste “Romeu + Julieta” é a protagonista Bárbara Sut, sobretudo pela voz, pela interpretação das canções. Ela escapa com vida da comparação inevitável com a cantora: é também tocante e de timbre semelhante e ao mesmo tempo explora variantes próprias para os hits.
No papel de Julieta, poderia buscar maior diversidade de interpretação, de início concentrada em uma alegria infantil, posteriormente se voltando por inteira para lágrimas e drama.
É eficiente em ambos, mas sem aproveitar a fundo as alternâncias e a perspicácia que o próprio texto sugere para a personagem. O autor abraçava um teatro popular e variado, em que a tragédia e a comédia, mesmo neste que teria sido um de seus primeiros textos, conviviam a cada cena.
O Romeu de Thiago Machado consegue maior equilíbrio entre interpretação musical e atuação, ainda que sem o carisma da coprotagonista —e ainda que seu personagem seja sabidamente mais restrito.
Mas o principal é que a dupla, o jovem casal, tem o que se costuma chamar de química e convence em sua paixão juvenil, algo descontrolada, quase um autoengano, que é o coração da peça —em contraste com a divisão política de suas famílias, que corrói a cidade-estado de Verona.
Outros desempenhos são especialmente felizes, caso da ama de Stella Maria Rodrigues, que se sai bem na porção musical e, pelo humor, conquista o espectador desde seu primeiro passo no palco.
É mais engraçada e inteligente do que costuma acontecer com a personagem noutras montagens contemporâneas. É possível ver nela um pouco da colaboração artística de Vera Holtz na produção, mas é principalmente o timing, o vaivém surpreendente que Stella consegue no papel o que a faz sobressair tanto.
O frei Lourenço de Glaudio Galvan também é engraçado como requer seu personagem, mas é dele o quadro mais forte, propriamente musical, que fecha o primeiro ato.
É o casamento de Romeu e Julieta, que ele sagra cantando a música “Vilarejo”, uma das tantas letras que pouco têm a ver com a cena, mas nesse caso não importa. Tanto a mise-en-scène criada por Guilherme Leme como a direção musical de Galvan e do coro por Apollo Nove alcançam aos poucos um sentimento de graça, marcadamente religioso.
Elementos de cenário, figurino e iluminação, tanto nessa cena como naquela da despedida de Romeu e Julieta, compõem imagens de impacto, contrastando as torres de pedra com os corpos dos dois protagonistas —e os panos e focos de luz que os estendem.
As cenas confirmam o êxito buscado por Leme com colaboradores da qualidade de Holtz e da cenógrafa Daniela Thomas, do figurinista João Pimenta, da iluminadora Monique Gardenberg e do adaptador Gustavo Gasparini.
Como confirma a casa lotada, o musical é de apelo popular, devido em parte aos hits de Marisa Monte, mas também ou principalmente ao original, como reencontrado pelo diretor.