‘Zeca Pagodinho’, mais que teatro, faz samba-exaltação
Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba
★★★
Teatro Procópio Ferreira – rua Augusta, 2.823, tel. (11) 3083-4475, São Paulo. Qui. e sex., às 21h; sáb., às 17h e às 21h; dom., às 17h. Até 5/8. R$ 40 a R$ 80. 12 anos
O problema flagrante do espetáculo é que não se trata de um personagem, não se trata propriamente de teatro, mas de um samba-exaltação, de um musical feito para celebrar um herói sem falhas. Ele talvez seja de fato um ser humano próximo da perfeição, mas é preciso mais do que isso para se tornar personagem de teatro.
Por exemplo, ao tratar de alcoolismo, o fato ou a lenda de que bebe demais é abordado como brincadeira, mais um traço de seu caráter insubordinado. Uma década atrás, até um papel de telenovela inspirado nele, Zé da Feira, conseguia ser mais questionador e aprofundar minimamente o impacto do alcoolismo.
Se o objetivo era erguer uma fábula, como expresso pelo autor, diretor e protagonista Gustavo Gasparani, essa é uma lição de moral que se perde pelo caminho. O resultado é em grande parte um espetáculo que engaja pouco, uma trama sem quedas, sem incertezas, que foge ao menor sinal de conflito.
Samba-exaltação é um gênero de música que nasce no Estado Novo, para cantar maravilhas de fachada. E a moral da história, em “Uma História de Amor ao Samba”, é que embora viva na Barra da Tijuca —porque, garante o texto, é um pai de família que prioriza o estudo dos filhos— ele volta sempre que pode a Xerém, onde já morou.
Ou seja, é preciso seguir o exemplo de sucesso e respeitar as suas raízes, organizar rodas de samba, não se vender. Mas o resultado cênico da lição é que Xerém, na Baixada Fluminense, acaba retratado como o Rio de Janeiro edênico dos sambas-exaltação de Ary Barroso.
Registre-se por outro lado que, com artistas qualificados na produção, o espetáculo consegue evitar algumas das piores armadilhas dos musicais de linha parecida.
Por exemplo, opta claramente por não explorar a figura da mulata. As mulheres estão no palco para atuar, cantar, algumas com performances encantadoras, e não para figuração de turista.
Nessa trilha, a interpretação e execução das canções e a própria caracterização do protagonista, tanto jovem, por Peter Brandão, como mais velho, por Gasparani, estão matizadas, com uma complexidade que a trama em si não contém ou incentiva.
A começar da adoção de uma dupla cômica vestida de Cosme e Damião para os números de cortina, o musical remete à estrutura frágil do teatro de revista. As piadas que têm para contar não são das melhores, mas Hugo Kerth e Édio Rodrigues saem-se bem na função, costurando com graça e cumplicidade os quadros musicais.
Vindo de temporada no Rio, “Uma História de Amor ao Samba” chega com ritmo, com cenas amadurecidas o quanto podiam. Mas é preciso ser fã, conhecedor até das letras menos festejadas, para embarcar neste show.