“Look, I Made a Hat”, de Sondheim

Nelson de Sá

O segundo e último livro com as “letras” de Stephen Sondheim, “Look, I Made a Hat”, não está à altura do primeiro, “Finishing the Hat”, abordado antes aqui. Dois terços dele são voltados a uma miscelânea de antologias, de espetáculos não produzidos ou que tiveram múltiplas versões, nenhuma inteiramente satisfatória, ou então canções para filmes ou até aniversários.

É como se a carreira de Sondheim, a partir de “Merrily We Roll Along”, que fecha o primeiro volume no início da década de 80, se resumisse a dez anos e quatro musicais, de “Sunday in the Park with George” (1984) a “Passion” (1994), passando por “Into the Woods” e “Assassins”.  Perto do que foi sua produção até então, é muito pouco _e de significado menor.

Mas os livros não são coletâneas de letras, como se anunciam, e sim uma série de deixas para uma espécie de autobiografia artística de Sondheim. E “Look, I Made a Hat” é o retrato de um artista mais disposto à experimentação do que aquele do primeiro volume. É o que ele escreve ao tratar do contato com o libretista James Lapine, típico “dramaturgo off-Broadway dos anos 60”:

Eu produzia trabalhos sob pressão dos sindicatos, das críticas e da obrigação de dar retorno aos investidores. “Sunday in the Park with George” foi desenvolvido no Playwrights Horizons, teatro sem fins lucrativos off-Broadway. A atmosfera era mais relaxada. Isso nos deixou livres para mexer, sem nos desgastarmos com boca-a-boca ou prazo para a estreia.

Isso levou ao “relaxamento formal”, às canções “fragmentárias” e até sem rima, à maior “vulnerabilidade” de seus musicais a partir daí, em contraste com as partituras até então consideradas “frias”. Em “George”, chegou a sugerir, sem sucesso, que Bernadette Peters cantasse uma cena nua e que Mandy Patinkin usasse “vocoder”, aparelho de distorção que havia visto num show de Laurie Anderson.

A experimentação de Sondheim prosseguiu com “Into the Woods”, misturando fábulas dos irmãos Grimm sob influência de Jung, “Assassins”, costurando nove tentativas de homicídio de presidentes americanos,  e “Passion”, que, “até onde sei, é o único musical epistolar jamais escrito”, no qual até mesmo os “clímaces emocionais são lidos, não representados”.

A exemplo de “Finishing the Hat”, o mais saboroso deste “Look, I Made a Hat” são as descrições e as opiniões que apresenta sobre o ofício do teatro musical. (Sondheim trata, antes de mais nada, de explicar/avisar que não aborda sua vida pessoal, “eufemismo para sexual”, como cobraram alguns sobre o primeiro livro. Afirma que o foco é sua “vida criativa”, ponto.)

É assim que ele lamenta como os atores na Broadway se tornaram dependentes dos microfones, que têm como pior efeito “amolecer a atenção da plateia”. Lamenta como tudo agora recebe aplausos em pé, o que “torna o extraordinário ordinário”. E anota que os intervalos sobrevivem porque os donos dos teatros dependem dos gastos dos espectadores no bar.

Sondheim decidiu evitar maiores comentários sobre colegas, o que havia feito no primeiro livro e resultou em reclamações. Volta a falar contra os críticos, “só necessários para publicidade”, mas agora lastima que só reste um na cidade com cobertura regular, no “New York Times”, quando antes havia quatro ou cinco jornais, três revistas, dois ou três canais de televisão.

De passagem, fala mal de Andrew Lloyd Webber sem dar o nome, mas descrevendo “O Fantasma da Ópera” e “outros hits das últimas décadas” _aquelas em que Sondheim pouco conseguiu produzir_ com defeitos como “grandiosidade, falta de humor, histórias melodramáticas”. Diz que “não é crítica, meramente uma descrição do fenômeno, que por sua vez está refluindo, parece”.