Krapp’s Last Tape

Nelson de Sá

Como tantos artistas que surgiram nos anos 60 e hoje estão na altura dos 70, Caetano Veloso, por exemplo, para não entrar no teatro, Bob Wilson se repete infinitamente, preso em uma fórmula que desenvolveu quatro décadas atrás e à qual faz ajustes aqui e ali, pelas circunstâncias.

É assim com “Krapp’s Last Tape”, que encerrou suas poucas apresentações no pequeno teatro do Sesc Belenzinho. Após duas décadas de encenações que vi insistentemente, está na hora de admitir que basta. Não tenho mais forças para buscar pequenas variações que indicariam algo de novo em peças tão repetitivas e estanques.

No caso, pode-se dizer que ele respeitou o texto, sobre um homem de seus 70 anos que revisita, insatisfeito, sua existência registrada em velhas gravações. Ficou mais palatável, menos desumano do que de costume, mas a frustração com a ausência de qualquer sinal de inovação, pelo contrário, é incontornável.

Com restrições orçamentárias em seus países de maior apoio, na Europa e Estados Unidos, Wilson tem se voltado ultimamente aos Brics, novos ricos. Fala agora com entusiasmo de uma suposta cena teatral em Moscou, na Rússia, e em Xangai, na China, e deverá fazer o mesmo com São Paulo e o Brasil.

A orgia de produções iniciada por “Krapp” incluirá “A Ópera dos Três Vinténs”, a mesma que o “New York Times” precisou se contorcer para identificar com alguma qualidade, no ano passado _e que afinal não viu na encenação, lenta, “aparentemente interminável”, e sim na voz dos cantores do Berliner Ensemble.

Mas o risco maior não está na apresentação local de montagens de Wilson já vistas em outras partes, independente de seu custo, e sim no que pretende por aqui. Um dos muitos artistas brasileiros chamados para encontros com Wilson foi Leonardo Moreira, que guarda alguma relação temática com o diretor texano.

Como Antonio Araújo comprovou tempos atrás, quando passou uma temporada na “comunidade” de Wilson perto de Nova York, o diretor é bem pouco aberto às contribuições alheias, pelo contrário, antes as sufoca, escraviza. O que faria com aquele que é talvez o maior talento de dramaturgia a surgir em décadas no Brasil?

A questão, para mim ao menos, é que o papel de Bob Wilson hoje não é Krapp, assim como não era Hamlet, seu monólogo anterior. É Rei Lear.

Também sobre Wilson, “Quartett“, uma sabatina de cinco anos atrás e o relato de Araújo.

Comentários

  1. Nelson, achava que esse teu texto precisava ter saído na impressa; ele convidou artistas de várias áreas para um brain storm, do qual vc deve ter sabido bem. Não fui convocado, mas me espantou um pouco o tom das perguntas que ele fez. Já é hora de filtrar o interesse que nosso país desperta nos artistas estrangeiros e tentar verticalizar as parcerias firmadas, temos vários exemplos que chegam a constranger.

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