Papo Reto
Em distanciamento social, num cômodo adaptado como um laboratório de fotografia, dosagens, iluminação e temperaturas imantadas para que as químicas resultem em imagens desse estranho jardim.
Método analógico para imprimir em preto e branco. Das bacias dos tônicos, transbordamentos de indignação:
-“Chega”!
Gritam os protestos Brasil afora. Nosso cotidiano, em época de pandemia aviltado por discursos racistas, misóginos e homofóbicos. Crimes disfarçados em cafonices. Questões cheias de trema, tramitam carregadas de bílis. Alcalinidades proferidas por gente negacionista, que no momento, habita as patentes do poder. Apresentando quadros de horror. As narrativas seguem dando conta dos feminicídeos, dos crimes por racismo em território nacional e apagões no estado do Amapá.
Busco nas peças de teatro, paralelos entre a truculência e a escuridão. Encontro verdades!
Shopping and Fucking com Marco Ricca, apertando o dedo na ferida. Na escolha do texto de Mark Ravenhill, a façanha de arrastar para a luz, sombras e facetas ocultas, de seres mundanos. Simplórios até, todos protagonistas. Lembro desse ensaio em estúdio de grandes proporções. Onde a aridez do momento político pulava para a cena, como nos dias de agora.
A Pantera, de Camila Appel, urbanidades entre prateleiras de supermercado. Montagem em sala de pequenas proporções, ideal para que o ambiente aconchegante se transformasse em claustrofóbico. E para que o tom cordial de voz, mudasse de registro frente a contundência das falas dos atores. Dramaturgia contemporânea com pegada surreal. Toques futuristas.
Notícias dão conta que Vidas Pretas Importam.
Esganaduras nas imagens, gravadas em tempo real.
Morre Beto Freitas. Como George Floyd.
Alusões proverbiais.
O que dizer para os pequenos?:
– “É a tinta do cabelo que escorreu…derreteu junto com as mentiras dele”.
E o menino profetiza:
– “Vai passar”.