Moscou para principiantes

Lenise Pinheiro

Depois de dias no claustro das urnas americanas, em tempos de pandemia, o estado das coisas teimava em mostrar o inalterável placar 253 X 213, números da eleição cujo resultado se arrastou, até alcançar a vitória da Democracia.

Alívio prazenteiro, que descortina a possibilidade de nos livrar de tanto nepotismo, arrogância e incompetência que aqui também ainda vicejam, no comando da nossa nação.

O estado do Amapá, na escuridão que conflagrou o abandono por parte das autoridades, mais um reflexo da inoperância a qual estamos submetidos.

Eis que surge “Moscou para Principiantes”, texto de Aline Filócomo, parte integrante da Coleção Teatro Contemporâneo lançada pela Editora Javali, em 2020. Obra de ficção e não ficção, inspirada pelos diálogos de Anton Tchekhov em As Três Irmãs, classifica as personagens como ingredientes, da massa de manobra. Seja na política, nas leis trabalhistas e nos ataques às artes, pelo enfraquecimento dos aparelhos de Cultura. Lançado em meio ao distanciamento social e das medidas de enfrentamento ao Novo Corona Vírus, sugere em jogral metalinguístico estratégicas e questionamentos atuais, através de linguagem poética e musical.

Do prefácio extraio trecho de Leonardo Moreira, autor e diretor da Cia Hiato, da qual a autora faz parte:

– “Ainda sobre a musicalidade do seu texto, tem também a repetição. A retomada de estruturas já vistas é, por um lado, um conforto auditivo e, por outro, um alerta de nossa efemeridade – como em Tchekhov, cujas personagens estão quase sempre nos lembrando de nossa mortalidade, repetindo que duzentos anos ainda virão e não estaremos aqui. Já falamos em uma das peças que fizemos juntos – que esse lembrete é, ao mesmo tempo frágil e ridículo. É por isso que insisto na metáfora da praia, do mar. Nesse território livre de imagens. Mas não é só isso. A oralidade é um elemento muito importante. Você vai além dela e inclui outras formas de diálogo. A fonte onde você busca seus pedaços de real não é só o que se entreouve, mas também o que se lê, o que se escreve – os diálogos em janelas de chat, em pop-ups que interrompem a navegação”.

Fiquei com vontade de espalhar esse texto pelas paredes da casa onde moro, suas personagens chamadas de a do meio, a da esquerda e a da direita, me arrastaram para um mundo esperançado, capaz de misturar tempos e até transformar erros de digitação, em figuras de linguagem. Falas das cybercenas onde “tragédias e alegrias, encontros e desencontros, frustações e conquistas” se realizam por dentro das telas. Lumens que contam histórias de novas Machas, Olgas e Irinas.