Anatomia em Protesto

Lenise Pinheiro

Da janela de um antigo prédio do centro histórico, em São Paulo, a imagem de crânios sendo carregados para o porta malas de um veículo, chama a atenção.

Horas depois, por conta da performance do Grupo de Ação, as caveiras esculpidas por Dora Longo Bahia, tomariam parte das manifestações em protesto à violência contra a vida.

Rés ao chão, em sugestivo diálogo silencioso, denunciam ao propor novo olhar frente à crueldade dos mercadores de escravos. As estátuas dos Bandeirantes, não sofreram ações predatórias. A intervenção atualiza o repúdio em torno das práticas sanguinolentas, que adotadas no passado, encontram ressonância em práticas negacionistas, em vigência no atual governo.

Em apresentações teatrais, aparecem em contraste à representação da vida, os crânios deixam à mostra os buracos da cabeça. Receptáculos dos órgãos responsáveis por quase todos os sentidos. Fustigados nesses tempos de pandemia. O desterro dos ossos, encenados nos palcos Brasil afora, corrobora com as denúncias de fraudes acobertadas, pelo alto escalão do Executivo.

Em muitas representações, nos textos de Shakespeare, Hamlet ao reconhecer o crânio de Yorick, o bobo da corte de sua infância, trava diálogos com o ar incorpóreo, invariavelmente dando conta da emoção que turva os olhos.

Visões de inconformismo, frente à opacidade vertida das trevas do autoritarismo.