Protocolos

Lenise Pinheiro

Recorro a Confúcio (551- 479 a.c.), filósofo chinês, cujas reflexões parecem servir aos dias de hoje. De seus pensamentos, a tentativa de extrair compreensão e paciência para as perguntas sem respostas.

Pautada pelas dúvidas associadas à flexibilização no distanciamento social, na volta às aulas, às salas de cinema e ao risco iminente de contágio nos transportes públicos, nessa pandemia onde os estudos avançam, lampejos de expectativa em direção ao ante vírus. O propalado procedimento de enfrentamento, nas fotografias de teatro e nas falas de Machado de Assis em O Protocolo, peça escrita e encenada no século XIX. Tempos remotos, mascarados. Atualidades em salas de visitas. Familiares:

VENÂNCIO – Anda então em um círculo vicioso?

PINHEIRO – É verdade. Tentei dormir, não pude; tentei ler, não pude. Que tédio, meu amigo!

VENÂNCIO – Admira!

PINHEIRO – Por que?

VENÂNCIO – Porque não sendo viúvo nem solteiro…

PINHEIRO – Sou casado…

VENÂNCIO – É verdade.

PINHEIRO – Que adianta?

VENÂNCIO – É boa! adianta ser casado. Compreende nada melhor que o casamento?

PINHEIRO – O que pensa da China, Sr. Venâncio?

VENÂNCIO – Eu? Penso…

PINHEIRO – Já sei, vai repetir-me o que tem lido nos livros e visto nas gravuras; não sabe mais nada.

VENÂNCIO – Mas as narrações verídicas…

PINHEIRO – São minguadas ou exageradas. Vá à China, e verá como as coisas mudam tanto ou quanto de figura.

VENÂNCIO – Para adquirir essa certeza não vou lá.

PINHEIRO – É o que lhe aconselho; não se case!

VENÂNCIO – Que não me case?

PINHEIRO – Ou não vá à China, como queira. De fora, conjecturas, sonhos, castelos no ar, esperanças, comoções… Vem o padre, dá a mão aos noivos, leva-os, chegam às muralhas…  Upa! estão na China! Com a altura da queda fica-se atordoado, e os sonhos de fora continuam dentro: é a lua de mel; mas, à proporção que o espírito se restabelece, vai vendo o país como ele é; então poucos lhe chamam Celeste Império, alguns infernal império, muitos purgatorial império!

VENÂNCIO – Ora, que banalidade! E que sofisma!

PINHEIRO – Quantos anos tem, Sr. Venâncio?

VENÂNCIO – Vinte e quatro.

PINHEIRO – Está com a mania que eu tinha na sua idade.

VENÂNCIO – Qual mania?

PINHEIRO – A de querer acomodar todas as coisas à lógica, e a lógica a todas coisas. Viva, experimente e convencer-se-á de que nem sempre se pode alcançar isso.

VENÂNCIO – Quer-me parecer que há nuvens no céu conjugal?

PINHEIRO – Há. Nuvens pesadas.

VENÂNCIO – Já eu as tinha visto com o meu telescópio.

PINHEIRO – Ah! se eu não estivesse preso…

VENÂNCIO – É exageração de sua parte. Capitule, Sr. Pinheiro, capitule. Com mulheres bonitas é um consolo capitular. Há de ser o meu preceito de marido.

PINHEIRO – Capitular é vergonha.

VENÂNCIO – Com uma moça encantadora?…

PINHEIRO – Não é uma razão.

VENÂNCIO – Alto lá! Beleza obriga.

PINHEIRO – Pode ser verdade, mas eu peço respeitosamente licença para declarar-lhe que estou com o novo princípio de não-intervenção nos Estados. Nada de intervenções.

VENÂNCIO – A minha intenção é toda conciliatória.

PINHEIRO – Não duvido, nem duvidava. Não veja no que disse injúria pessoal. Folgo de recebê-lo e de contá-lo entre os afeiçoados de minha família.

VENÂNCIO – Muito obrigado. Dá-me licença?