‘Tá russo minha filha’
Deixa escapar a atriz, em tom imperativo de Arkadina, mesclado à graça de grande dama do teatro brasileiro. Alguns, ruidosamente tomavam lanche, próximos a nós. Longe o suficiente do aperreio que iríamos presenciar.
Era o ano de 1998, a câmera Pentax formato 6X7, uma coqueluche analógica, no encerramento da sessão, faz emergir de seu mecanismo, a alavanca chave para o carregamento do filme. Num átimo de segundo, atarraxei o parafuso fujão. Trocamos olhares cúmplices, nenhuma avaria aparente parecia ter prejudicado o funcionamento da máquina, demos uma pausa no ensaio. Sem nenhum resquício de insegurança e com outra câmera, seguimos, entre frouxos de risos e a recorrente interjeição:
– Tá russo!
A cumplicidade instaurada naquele momento me inspira, imantação para recarga de baterias, agora digitais, nesse confinamento que parece ter traços de teatro russo.
Urgências em tons diáfanos, melancolia dos invernos e quarentenas:
– “A sociedade contempla a própria ruína”.
Floradas, jardins e falências.
As peças russas dialogam com o tempo, em estado febril.
Nelas as catástrofes não poupam ninguém.
Abandonos como nos dias de agora.
# Sepuder#Ficaemcasa