Encantadora e sombria, ‘Chá e Catástrofe’ dá nova chance de celebrar Caryl Churchill

Nelson de Sá

CHÁ E CATÁSTROFE

★★★★
  • Quando Sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h. Até 12/5
  • Onde Centro Cultural São Paulo, sala Jardel Filho. Rua Vergueiro, 1.000, Liberdade, centro de São Paulo, tel. 3397-4002
  • Preço R$ 20

 

Ao longo de toda a apresentação, o prazer persistente diante de “Chá e Catástrofe”, Escaped Alone no original, vem antes de mais nada dos diálogos e pequenas histórias de Caryl Churchill, traduzidos por Eliana Rocha.

O talento luminoso da autora, que acaba de completar 80 anos, ainda relativamente pouco celebrada no Brasil, é referência para a dramaturgia inglesa nas últimas cinco décadas, em parte pela sua experimentação sem fim com forma, com a construção das peças.

Mas não se trata só dela, na montagem encantadora de Regina Galdino. É incomum encontrar uma dramaturgia contemporânea de tal inteligência e ironia que consiga encaixar tão bem com um elenco brasileiro.

Nesta e noutras grandes peças, como “Top Girls”, ela escreve sobre e para mulheres. E as quatro atrizes em cena, Clarisse Abujamra, Chris Couto, Selma Egrei e Agnes Zuliani, vestem Caryl Churchill com facilidade, com reconhecimento, consciência.

Tem a cabeleireira que matou o marido, Vi (Egrei); tem aquela com pânico de gatos, Sally (Zuliani); tem a outra ainda mais fóbica que quase não sai do celular, Lena (Couto); e uma última, recém-adentrada ao grupo que se reúne nos finais de tarde num quintal ou jardim privado em Londres, que pensa histórias ou, melhor, projeta o fim do mundo.

Interpretada com uma aura de alheamento e preocupação por Abujamra, a Senhora Jarret é aparentemente o alter ego de Churchill, autora atenta e engajada politicamente desde as primeiras criações teatrais, nos anos 1970, boa parte no Royal Court —teatro que acaba de anunciá-la como dramaturga residente, para produzir três novos textos.

Essa quarta personagem assiste às demais, um pouco como o público, e devaneia em narrações internas sem relação direta com o que está sendo falado —servindo antes como um eco ou um comentário distante e ameaçador; da catástrofe que se aproxima, em histórias de desastre no planeta, morte de crianças, fome.

Mesmo com esses contrapontos sombrios, é tudo muito afetuoso, ainda que o cenário, no amplo palco da sala Jardel Filho, pareça acanhado e frio. Elas falam dos filhos, recordam passagens, riem umas das outras, naquelas horas entre serviços de chá.

Comentários comezinhos como a felicidade de estar ali e não mais num escritório ou num hospital, trabalhando. Às vezes elas se tornam ensimesmadas. De maneira geral, refletem uma resignação, uma aceitação pacífica de suas trajetórias, até das tragédias pessoais.

Esta é também uma rara encenação em que as quatro atrizes se alternam em encantamento, com atuações todas seguras e em alto patamar, sem sofreguidão, dando tempo ao texto para fazer emergir o humor ou a emoção.

Mas é inevitável destacar Selma Egrei, que já havia chamado tanto a atenção em “Marte, Você Está Aí?”. Não é toda hora que aparece no teatro uma assassina ao mesmo tempo tão delicada e, de súbito, assustadora.