Veja texto e fotos de ‘Portas no Teatro’

Lenise Pinheiro

Na adolescência, convivi com um familiar muito próximo, querido por minha avó paterna. Ele me provocava com olhares, fazia piadas sobre minha baixa estatura, bradava pelos ares toda sorte de impropérios contra minorias e raças. Seus filhos, adotavam comportamento semelhante, identificados por numerais cardinais, desrespeitavam os mais velhos, desdenhavam dos índios e das “bichas loucas”. Tinham um carro Gordini com vidros adornados por adesivos Brasil Ame-o ou Deixe-o. Em comum, nutríamos o hábito de passar leite moça no pão.

Eu, que me dedicava aos estudos, mas era por eles, ridicularizada em público:

– “Você é burra feito uma porta”.

Diziam sempre que me viam, mesmo que a data fosse meu aniversário.

Afortunadamente superei esses episódios. Que não se configuraram em traumas. E, como saldo positivo, passei a dedicar especial atenção aos batentes e maçanetas que encerram encontros e despedidas, entradas e saídas.

Desenvolvi trabalho junto aos palcos, retratando cenários com o mesmo desvelo que dedico aos atores.

Ensaios onde as portas são protagonistas.

Como no teatro de Georges Feydeau e de Gerald Thomas, na trilogia Kafka, porta é que não faltava.

Também nas encenações de Antonio Araújo. Teatro da vertigem e das portas cerradas. A expressão que dá nome ao blog Satisfeita, Yolanda?; da Ivana Moura nasceu no Hospital Matarazzo. Onde o Livro de Jó foi encendo pela primeira vez.

Gustavo Machado e Vadim Nikitin em Canção de Cisne fizeram poesia, ao “enquadrar” um andarilho que não consegue transpor a porta de um teatro em noite de estreia.

Vem Vai, de Cibele Forjaz e Simone Mina, destaca uma porta móvel como cenário, por onde passava Lucia Romano, contrapondo vida e morte.

Homem não Entra, de Paulo Faria, recria o clima Saloon, com a porta vai vem, de onde irrompe Mel Lisboa na pele da matadora Brigitte.

Talvez portas descortinem horizontes. A Catástrofe do Sucesso, recria ambientes criando portas de fios brancos, construídas com imaginação, por onde Camilla dos Anjos e Iuri Saraiva adentram  no mundo de Tennessee Williams.

Portas inspiram narrativas, introduzem ou alijam personagens. Estabelecem conflitos. Segregam. Agregam.

Vide o Espaço Clariô, que de tanto abrir suas cancelas, ganhou o mundo.

Me lembro da porta escarlate do Teatro Oficina. Portal vermelho transposto e pimba! Estamos no teatro mais bonito do mundo.

Hoje dia do Índio, lembro de ocas construídas com esmero com fendas no lugar de portas. O teatro de Francisco Carlos e a direção de arte de Clissia Morais, reafirmam usos e costumes tribais.

É só entrar.