‘Elza’ celebra a voz de louva-a-deus e a rebeldia de Elza Soares

Elza
★★★★★
Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195. De qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 18/11. Ingr.: R$ 15 a R$ 50. 14 anos.

 

O primeiro impacto de “Elza” é com as vozes das sete atrizes-cantoras, de timbres diversos, mas compondo um quadro à altura daquela que dá nome à peça. Na apresentação, a própria Elza Soares estava na primeira fileira e ao final saudou suas vozes, elas que choravam quase todas, no palco.

Quadros inteiros do espetáculo falam disso, de sua voz. Como escreve o dramaturgo Vinicius Calderoni no programa, a peça se passa na garganta de Elza.

Das sete, aquela mais próxima é a baiana Larissa Luz, convidada especialmente e que está no centro da representação da mítica cantora no palco. Não só pela garganta, pela voz de louva-a-deus, mas pela própria representação física, os gestos, o retrato da paixão e da revolta, é quem incorpora Elza.

Mas todas o fazem, de um jeito ou de outro, o que é uma das facetas que tornam o espetáculo tão singular na vertente dos musicais biográficos nacionais.

As atrizes de diversas partes do país, de Minas ao Rio Grande do Norte, têm todas os seus solos, de brilho extravagante. Não reproduzem, mas como que partem de Elza para viagens individuais.

Kesa Estácio, por exemplo, faz uma interpretação de “Dindi” que poucos conseguiriam imaginar. Laís Lacôrte se agiganta não apenas solando, mas em quadros nos quais sua voz surge ao fundo, em lamento pungente.

Entre as muitas cenas que arrebatam o público, levantando-se em rebelião ou se desfazendo em pranto, uma das mais inusitadas é aquela em que Guta Menezes deixa o espaço da banda e vem à boca de cena, também ela para um solo que expressa Elza.

Para além das vozes e da banda, talvez o impacto maior seja o diálogo que “Elza” alcança com a situação política presente. Muito do que Elza Soares enfrentou não é diferente do que se anuncia agora para o país.

Assim, cada nova cena é potencializada, ganha força, por exemplo, quando ela se vê atingida por comentário racista numa gravação. A personagem, sua própria trajetória, se ergue como mito de resistência. A emoção das atrizes no final, diante dela, foi em grande parte derivada disso, do que a cantora representa.

Há momentos em que “Elza” entra no relato linear, biográfico, porque é isso o que se tem —sua biografia. A diferença é que, no caso, é uma trilha de obstáculos monumentais e ainda vivos.

E o retrato da mulher negra vai além da superfície política. A relação da personagem com o pai, com Mané Garrincha e com o filho que perde, seus três homens, é o fio que puxa a trama emocional, e as tragédias deles são as suas.

É um musical com letras e diálogos emocionalmente carregados. Com passagens como o casamento forçado aos 12, a proclamação de sua origem como “planeta fome” para Ary Barroso, o alcoolismo e a violência de Garrincha, a morte do filho.

E tudo culmina em duas canções recentes, em apoteose de rebeldia, “A Carne” e “Mulher do Fim do Mundo”, confirmando aquilo que é pronunciado ao longo do texto, de que Elza renasce todo dia. O que aconteceu era só ensaio para o agora.