Aline Deluna revive Josephine Baker da sensualidade ao ativismo
Josephine Baker, a Vênus Negra
★★★
Sesc 24 de Maio. Rua 24 de Maio, 109. Qui. e sex., às 21h; sáb., às 18h30 e 21h; dom., às 18h. Até 16/9. R$ 40
Remetendo à origem de palco da própria Josephine Baker (1906-75), o espetáculo biográfico é como uma revista simplificada em que a interlocução da personagem e da atriz que a interpreta com o público é intermitente, como num cabaré.
Começa antes mesmo da apresentação, com Aline Deluna conversando no meio do público que espera para entrar na sala. Depois, na noite fria de São Paulo, a atriz faz rir e emociona, mesmo com diversas canções em francês e não necessariamente conhecidas.
Envolve em parte com as pontes que são lançadas para o Brasil, sobretudo para o Rio que Josephine visitou diversas vezes e no qual deixou marca. A cena em que rememora um quadro musical ao lado de Grande Otelo, no caso, interpretado pelo pianista Jonathan Ferr, é um dos momentos em que o elo com o país se faz mais próximo.
Seu espírito carnavalesco, colado ao rigor na dança e principalmente no canto, vale tanto para a personagem como para a intérprete, que é envolvente, carismática.
Talvez pelas temporadas já cumpridas no Rio, a integração entre ela e os três músicos transformados em atores é uma das qualidades do espetáculo. Violonista, baterista e pianista são parte ativa da apresentação e respondem à altura da protagonista, tocando com precisão e desenvoltura e arriscando até improvisação e “cacos” de texto.
Não é um espetáculo derivado da Broadway, embora a personagem tenha tido carreira também em Nova York. É antes um trabalho de influências francesas e brasileiras, nas canções, na forma.
Como a protagonista sublinha, a plateia tem todas as cores lado a lado, o que era proibido em grande parte dos EUA quando Josephine surgiu. Aline a retrata ou espelha em muitas de suas facetas, por exemplo, no ativismo persistente de combate ao racismo americano.
Mas é noutro ponto, na forma aparentemente resolvida com que lida com o próprio corpo, aquilo que mais a aproxima da personagem: na nudez sem apelação, quase naturista, e também na sensualidade sem constrangimento.
Dirigido por Otávio Müller, o musical tem como cenário o palco aberto, com coxias à mostra, inclusive o trabalho da camareira, que veste e despe a protagonista em cena, em aparente homenagem à primeira função que Josephine recebeu no teatro.
Nem tudo dá certo. Abrir com uma canção como “Minnie the Moocher”, de Cab Calloway, se mostra referência distante demais para iniciar a mobilização da plateia.
E a trama, como outras biografias do teatro musical brasileiro recente, se sustenta em pesquisa detalhista e apresenta uma linearidade cronológica de efeito dramático questionável. Talvez resultado dessa bitola algo rígida, sente-se a ausência de quadros mais desenvolvidos, feéricos como a personagem.
Mas a ideia não parece mesmo ter sido buscar um musical grandioso, do Folies Bergère onde Josephine Baker ganhou renome, e sim de participação, diálogo com a plateia, o que faz com eficiência.