No que tem de melhor, ‘O Leão no Inverno’ mostra como estamos podres
O Leão no Inverno
★★★
Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, São Paulo. Sex. e sáb., 21h, e dom., 19h. Até 29/7. Ingr.: R$ 50 a R$ 80, pelo site www.tudus.com.br. 12 anos.
Escrita nos anos 1960 pelo americano James Goldman e passada na Inglaterra da Idade Média, “O Leão no Inverno” não é uma peça que conversa fácil ou diretamente com o público de hoje, não no Brasil atual.
Mas uma fala mais longa no meio da apresentação, da personagem de Regina Duarte, Eleanor, a rainha encarcerada, que o rei permite voltar ao palácio para o Natal, dá a chave tanto para o elenco quanto para o espectador sobre o que está em jogo.
Diz ela aos três filhos, que disputam nos bastidores quem vai herdar a coroa:
“Ah, meus inocentes, nós somos a origem da guerra. Não são as forças da história ou os tempos ou a justiça ou a falta dela, nem as religiões, nem os acontecimentos, nem as ideias, nem os tipos de governo, nem qualquer outra coisa. Somos nós.”
Então fica claro, como escreve o tradutor Marcos Daud no programa, que “são tempos curiosamente semelhantes aos nossos… de alianças e conluios, de golpes e trapaças, de luta pelo poder”.
Ou ainda, para continuar com a rainha de Regina Duarte, somos nós —os espectadores, os brasileiros— que semeamos a sífilis, que estamos podres.
Com a singeleza de expressão entremeada por ironia que o público de televisão conhece bem, a atriz pergunta: “Será que não temos capacidade de amar uns aos outros só um pouquinho? É assim que a paz começa”.
Obviamente, ninguém mais se ama ou vai se amar novamente naquela família que se confunde com o Estado.
Fora essa e algumas outras cenas, porém, tanto a atuação da protagonista quanto o espetáculo à sua volta se ressentem de elos mais próximos com a realidade —e buscam se proteger num afetado teatro de corte, de conflito interpessoal sem maior atrativo.
A própria atriz parece se refugiar por vezes numa voz anasalada e monocórdica, em suma, ausente.
Também Leopoldo Pacheco, outro intérprete de identificação imediata com o público, como atestado anteriormente no palco, tem agora dificuldade para se envolver com seu personagem, o rei Henry 2º, e aproximá-lo do espectador.
Não ajuda o fato de, na guerra familiar que representam, o filho mais velho e de maior projeção na trama, Richard, ser composto de uma maneira artificialmente afrontosa, sem sutileza, por Caio Paduan.
Isso lembrando que o papel foi de Anthony Hopkins, no filme célebre de 1968, e de Christopher Walken, na estreia da peça em 1966, na Broadway.
É preciso registrar por outro lado que, na apresentação vista, acrescentou-se o problema de uma plateia fechada para convidados de uma instituição, que se mostrou fria e até reativa ao que assistia. Olhando retroativamente, o elenco dirigido por Ulysses Cruz se defendeu bravamente, dadas as circunstâncias.