‘16 de Janeiro’ é chance rara de conhecer o teatrão —e o grande ator Jô Soares
★★★★
A Noite de 16 de Janeiro
Sex., às 21h30; sáb, às 21h; dom., às 19h. Tuca – r. Monte Alegre, 1.024, tel (11) 3670-8455. R$ 100
Nelson de Sá
É uma chance rara de conhecer o chamado teatrão, um melodrama daqueles que ficaram célebres no palco e no cinema anglo-americanos no início do século 20 —e que, no Brasil, marcaram o TBC nos anos 1940 e 50.
Apesar de o diretor Jô Soares apontar, na introdução em vídeo da montagem, um paralelo deste “drama de tribunal” com os tempos de hoje, no Brasil, não há relação direta.
“A Noite de 16 de Janeiro” faz uma sobreposição esperta de depoimentos sobre um assassinato, nada política, levando o público a duvidar dos fatos. Essa dúvida é o que interessa.
A autora russo-americana Ayn Rand, ao estrear a peça aos 28 anos, em 1934, ainda estava distante da ideóloga posterior —e até hoje— da extrema-direita americana, cheia de certezas libertárias.
O resultado da nova produção brasileira, na apresentação vista pelo crítico, pendeu até demais para um lado, o da absolvição da ré, acusada de matar seu patrão e amante.
Mas é evidente que o texto permite e até requer sintonia fina para acentuar a dúvida, tornando a experiência do espectador mais engajada. Em seu formato algo inovador à época, a peça integra 12 espectadores ao palco, como os jurados que darão o veredito.
Faltou também mais ritmo à apresentação, algo imprescindível para apreciar a série de tipos, não propriamente personagens, que vão surgindo. São quase esquetes, algumas mais desenvolvidas, como a da governanta de Tuna Dwek, outras menos, caso do banqueiro de Norival Rizzo.
Com os papéis mais articulados já desde o texto original, quase protagonistas, a ré de Guta Raiz e o gângster de Ricardo Gelli obtêm os resultados mais satisfatórios.
Talvez pelas mãos e pela presença de Jô, sempre no centro da cena como o juiz, há um bocado de humor, mas o melhor está potencialmente nas viradas estrondosas da trama.
No limite, com os seus intérpretes afiados, rápidos, “16 de Janeiro” é um thriller, para tirar o fôlego e só permitir ao público se questionar no final.
O espetáculo também é uma chance de conhecer o ator Jô Soares, não o humorista. Ele não tem muito texto, mas cada intervenção é uma comprovação dos relatos de quem o viu em peças, décadas atrás.
Suas inflexões, os pequenos gestos, os breves diálogos, tudo confirma seu comando do palco, ao vivo. É um ator não só carismático, mas alerta, com respostas ágeis e improvisações que enriquecem aqueles com quem contracena.
O advogado de Cássio Scapin e o promotor de Marco Antônio Pâmio, que mais contracenam com ele, ainda parecem um pouco intimidados —e, mais importante, sem modulação, nuances em suas atuações retumbantes. Poderiam aproveitar a aula de Jô.
Em “16 de Janeiro”, como nos homicídios que volta e meia inflamam a cobertura policial, chamam a atenção os interesses mais mesquinhos, as traições cotidianas, os detalhes de crueldade. E isso é o que Jô consegue trazer para perto do espectador com simples interjeições, com reações que por vezes não passam de um olhar de surpresa, mas sempre presente, atento.