Crítica: Entre piadas sofríveis e preconceituosas, ‘MPB’ desperdiça encenação

Nelson de Sá

Nelson de Sá

Apesar de reunir vários profissionais exitosos do gênero no país, como o diretor Jarbas Homem de Mello, o diretor musical Miguel Briamonte, a coreógrafa Kátia Barros e a protagonista Adriana Lessa, este “MPB – Musical Popular Brasileiro” fica distante de mostrar “a cara do Brasil”, seu propósito declarado no programa.

O espetáculo mostra antes um estranho descompasso com o pouco de realidade contemporânea —social, étnica, política— que acaba vazando para a cena.

Assim como o cambaleante musical anterior de um de seus roteiristas, “O Bixiga” (2010), “MPB” tropeça, entre muitos exemplos, quando sai a defender “mulata”, tanto a expressão hoje questionada quanto a exploração sexual que envolve —algo que a própria Rede Globo abandonou em sua Globeleza, a começar da palavra.

Como em “Bixiga”, são negros os atores usados pelos roteiristas Edu Salemi e Enéas Carlos Pereira, vindos da TV, para os ataques seguidos ao “politicamente correto”. E atores com a trajetória de Lessa, que surgiu há três décadas em “Macunaíma”, e Érico Brás, que veio do Bando de Teatro Olodum.

De maneira geral, o problema é que “MPB”, ao que parece conscientemente, emula o teatro musicado de um século atrás, nacionalista, dos tempos de Estado Novo, num momento em que a realidade socioeconômica brasileira pede qualquer coisa, menos ufanismo e bordões turísticos.

É palpável o constrangimento da plateia com diversos diálogos e também figurinos, em que pese a inventividade cênica e musical que Mello e equipe vão acumulando no palco. Inventividade que surge até em detalhes, caso dos movimentos criados para membros do coro como a bailarina Leilane Teles.

A maior qualidade talvez esteja na atuação —e no entusiasmo, ao menos durante a estreia— de seus 18 intérpretes.

O que se tem em cena, refletindo o diretor de atores que é Mello, é uma vivacidade que segue em frente mesmo quando as piadas originais são sofríveis ou assustadoras, como ao fazer rir da morte de Hebe Camargo.

Brás e Reiner Tenente (este o talentoso Cosmo Brown de “Cantando na Chuva”, no ano passado) formam uma dupla cômica à altura da homenagem que procuram fazer a Grande Otelo e Oscarito. Quase externos à trama central, em aparentes “números de cortina”, eles ameaçam seguidamente roubar o espetáculo.

Giulia Nadruz, também com personagem que à primeira vista contrasta com a trama, consegue dar forma cada vez mais consistente e engraçada à sua advogada que quer ser artista. Encerra a apresentação como uma das mais bem resolvidas facetas de “MPB”.

Mas o resultado do espetáculo é desigual, com mais qualidade em alguns quadros e outros que deveriam ser abandonados por inteiro. Uma sensação de barafunda que talvez venha a ser diluída com algumas semanas do espetáculo em cartaz —ou que teria caído nas pré-estreias, ferramenta que o teatro comercial no país teima em não adotar.

Uma versão desta crítica circula na edição de 9 de março de 2018 com o título “Com inventividade cênica, ‘Musical Popular Brasileiro’ tropeça no roteiro turístico”