Crítica: Atração da MITsp, musical King Size faz sorrir com Jackson 5 e Wagner

Nelson de Sá

Nelson de Sá

Os comentários finais de uma das personagens de “King Size”, olhos no público, aconselham não pensar demais, não buscar sentido.

É um espetáculo que mescla música pop e clássica, contrastando-as ao limite do ridículo, por exemplo, colando “I’ll Be There”, um hit de Michael Jackson ainda criança, ao prelúdio de “Tristão e Isolda”, de Wagner.

Por outro lado, celebra aquilo tudo sem distinção, festeja o próprio ridículo, o desconforto que causa. Para costurar minimamente a apresentação, além do cenário, pontua com umas poucas colagens de textos.

A trama, se é que se pode chamar assim, acompanha um casal —um mensageiro e uma camareira de hotel que se deitam na cama “king size” de um quarto e sonham com outras vidas, cantando e dançando as canções.

Com interpretação de cabaré para quase todas as músicas, eles abusam de um humor mudo e físico, chegando por vezes ao pastelão. O diretor suíço Christoph Marthaler estudou com o mímico Jacques Lecoq, o que parece se refletir no palco.

Tem passagens especialmente engraçadas, que fazem um ou outro gargalhar, mas é antes para sorrir do que rir. É coberto de ironia.

A norueguesa Tora Augestad, que trabalha há uma década com Marthaler, e o suíço Michael von der Heide são ambos cantores de vertente mais popular, de canto não propriamente lírico, o que pode frustrar puristas de ópera. E falta conflito, algum norte para o que se passa.

Mas para os fins da MITsp, ou seja, introduzir uma referência do teatro europeu, um “diretor dos diretores”, “King Size” funciona bem.

Para o público local, serve também como crítica oportuna ao teatro musical contemporâneo, alvo de Marthaler em seu espetáculo imediatamente anterior, uma versão de “My Fair Lady” com Augestad e os mesmos contrastes de baixa e alta cultura, misturando George Michael com Mozart.

É como se o diretor quisesse comentar e ao mesmo tempo abraçar a música pop, sem negar sua proximidade, ao menos da europeia.

Mais do que a Michael Jackson, “King Size” remete inusitadamente ao cantor francês Michel Polnareff e à banda alemã Freiheit, de hits europeus como “Tout, Tout Pour Ma Chérie” e “Keeping the Dream Alive”, pouco conhecidos noutras praças.

A encenação não entusiasma, não arrebata aplausos intermináveis como é costumeiro em festivais, mas Marthaler não é mesmo disso.

Uma versão desta crítica circula na edição de 5 de março de 2018 com o título “Encenação não arrebata, mas introduz diretor de referência”