Crítica: Com Denise Fraga, ‘Velha Senhora’ ri da hipocrisia, mas desbota Dürrenmatt

Nelson de Sá

A atriz Denise Fraga, não é de hoje, trabalha com alguns dos melhores textos da comediografia brasileira e mundial, uma marca desde os primeiros passos no grupo Tapa e com o diretor Moacir Chaves, ainda no Rio.

Seu humor é popular, de comunicação direta, como evidenciou com Olímpia em “Trair e Coçar” e combina bem com o chamado teatro épico que ela vem privilegiando na última década, primeiro com Brecht, agora com Friedrich Dürrenmatt (1921-90).

São autores de língua alemã que partiram do cabaré do início do século 20, da comédia com interação com a plateia, para abordar temas sociais e políticos.

“A Visita da Velha Senhora”, escrita em 1956, tem reflexos óbvios na realidade brasileira, daí a escolha da atriz e produtora. Registre-se que a comédia inspirou romances tanto de Jorge Amado como de Paulo Coelho.

É um questionamento da manipulação da Justiça e da própria democracia e existem poucas coisas mais na ordem do dia. Mas a encenação de Luiz Villaça parece fugir dos vínculos contemporâneos, daquilo que a peça apresenta de potencialmente mais corrosivo.

Denise é novamente engraçada —e se revela também cantora— para uma plateia lotada que acompanha cada frase ou esgar seu. Mas a crítica presente em Dürrenmatt é atenuada, como se os conflitos do mundo real fossem controversos demais.

Que o diga Ary França, desperdiçado em cena, mas com um dos cacos mais significativos, quando divide a plateia para um coro e depois brinca que vai unir os dois extremos rompidos no Brasil de hoje.

É de certa maneira o que a adaptação faz: em vez de explorar o conflito, esforça-se por contorná-lo, ocultá-lo.

A peça de Dürrenmatt é um clássico moderno sobre hipocrisia e ganância. A trama aborda a vingança da velha milionária Claire, que pressiona uma cidade a condenar à morte o ex-namorado Alfred —que na juventude a engravidou e fraudou um julgamento para não assumir o filho, levando-a à prostituição.

A começar da mistura de poder econômico e justiça, a comédia é quase cínica ao expor todos os seus personagens pelo que têm de abjeto (outro reflexo do Brasil contemporâneo).

Denise e Tuca Andrada, como Claire e Alfred, revelam química e eficiência nos saltos entre a nostalgia da paixão de juventude e o amargor de agora, ela fria, ele prostrado.

Também Romis Ferreira se evidencia na atuação, respondendo pelos momentos de maior gravidade na trama e nas palavras de Dürrenmatt.

O cenário (módulos, como vagões ou casas) e os figurinos (Claire exuberante, os demais desbotados) são funcionais e bem realizados, embora acrescentem pouco. Sente-se mais a falta de desenvolvimento nas canções, tanto letras quanto execução.

Uma versão desta crítica foi publicada na edição de 8 de setembro de 2017 com o título “‘Velha Senhora’ faz rir, mas desbota crítica de Dürrenmatt”