“Janis, monólogo musical” texto de Diogo Liberano, no Teatro Oi Futuro – RJ

Lenise Pinheiro

Carol Fazu é um transbordamento, ela não se caracteriza como Janis Joplin, ela solta a voz para muito além das pulseiras, do figurino e do cabelo encaracolado. Estaciona sua Mercedez Benz em cima das calçadas da fama, das mesas de bar e para nossa surpresa, fala de química, da Lei de Antoine Lavoisier, da chuva e dos mortos:

– “Da natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Quando subo num palco, é impossível deixar de suspeitar que a vida seja uma piada, sempre acho que vou receber um prêmio, que eu sei que mereço, mas como saber se a música basta. E quando é preciso mais que cantar, também dizer alguma coisa. Eu sempre cantei como se falasse e falei como se cantasse”.

Matérias agregadas, pedaços de outro alguém, carpetes sujos e o peso de seu próprio abandono. Música, cinzas espargidas sobre o Oceano Pacífico. Onde ela está agora?

– “Eu estou em tudo quanto é lado, inclusive aqui, onde eu não estou”.

Tristeza, medo e amor. Suores, bares e lambidas.

Mãos dadas e uma flor que cai dos cabelos, em cena.

Delicadezas e beijos roubados:

– “Vem morar em mim”.

Janis/Carol canta. E conta histórias. Aplausos em cena aberta.

Portas e perdas. Lamentos. Tudo bem.

A melancolia revertida em sorrisos e escárnios:

– “Se o amor dá certo, não existe motivo para cantar”.

Come on, músicas cantadas em inglês, blues e lá lá lá.

A platéia nas mãos da atriz, divagações em torno das conversas de bar:

– “Se eu sou importante, me deixem em paz”.

Bebidas, cadeiras, mesas, copos, garrafas e amores fulgazes.

Sorrisos em desuso, trepadas nos nervos da imaginação.

Vinte e poucos anos, palavras e ironias.

Blasfêmeas entre o machismo e as intrigas das fofocas.

Nada constrange. Cartas e recortes de revista:

– “Já estão me usando como estilo, mamãe. O inimitável estilo de Janis Joplin. O reconhecimento trás sim alguma satisfação. Em breve devo me tornar uma estrela”.

A banda é uma família de acordes tortos. Ensaios desimportantes.

Retratos e fotos que mostram tudo, menos o que ela é.

Histórias que não se cansam de errar. Gravações e coitos interrompidos:

– “Cantar é algo assim tão diferente da vida que precisa de ensaio”?

O gestual da atriz evoca o sublime, feições e expressões da cantora.

Afinação sobrenatural em Sumertime. Momento catártico que leva a imaginação.

Mimetismo entre detalhes, trejeitos e meiguices.

– “Eu falo essas coisas porque elas estão se falando em mim”.

Dias de sol, o sexo das flôres e os gritos. Todo envolvimento do corpo pedindo, sem saber falar, sem saber como cessar tanto desejo.

Lá está ela, buscando preencher rombos. Fazendo pedidos à platéia.

Num jogo de olhos fechados. Iluminados por feixes internodais.

Raios azuis que perpassam os dedos, os braços e o rosto da atriz.

– ” Cada olho enquanto olha, lança uma flexa, que flexa o outro que é olhado. As árvores que nos olham, também nos perfuram e passam a morar em nós”.

Rastros coloridos, veias abertas e abraços, no agradecimento do elenco.

Fica a satisfação de saber que a vida pode seguir, para além do tempo dos acordes.

Em 1970, Janis veio ao Rio de Janeiro, em Copacabana, onde estou agora. Ela ainda está aqui. Eu ví.

Teatro Oi Futuro Flamengo – Rio de Janeiro

Quintas, Sextas Sábados e Domingos 20h

Idealização e interpretação: Carol Fazu
Dramaturgia: Diogo Liberano
Direção geral: Sergio Módena
Direção musical: Ricco Viana
Cenografia e figurinos: Marcelo Marques
Iluminação: Fernanda Mantovani & Tiago Mantovani
Banda: Marcelo Muller (baixo), Arthur Martau (guitarra), Eduardo Rorato (bateria), Gilson Freitas (saxofone) e Antônio Van Ahn (teclado)


Direção de produção: Alice Cavalcante e Ana Velloso
Produção executiva: Alice Cavalcante, Ana Velloso e Vera Novello
Produção e Realização: Sábios Projetos e Lúdico Produções