Com ‘Revolução em Pixels’ e ‘Tão Pouco Tempo’, Mroué defende e depois desiste da ‘revolução’
“Revolução em Pixels”, performance apresentada em 2012 na última Documenta de Kassel e que veio agora à MITsp, não envelheceu bem.
É uma obra claramente influenciada pelos monólogos de Spalding Gray (1941-2014), ao menos na forma: o autor, diretor e ator Rabih Mroué, sentado e lendo de um caderno, numa mesa, com projeção ao fundo, fala diretamente ao público.
Mas Gray era engraçado, seus espetáculos tinham muito de “stand up comedy”. Mroué, não. Ele mesmo chama a performance de “palestra espetáculo”, no que é, de fato, quase uma aula acadêmica sobre a guerra civil síria.
O problema é que foi escrita e estreou no auge da Primavera Árabe (2010-12) e acredita demais num dos lados do conflito, que não chama de guerra civil, mas Revolução Síria.
No que aparenta ser a única atualização do texto, dá a entender que o quadro hoje é caótico. Mas o restante da apresentação continua sendo uma defesa dos “revolucionários” —agora, como se sabe, dominados pelo Estado Islâmico e pela Frente Al-Nusra, atual Jabhat Fateh al-Sham, ligada à Al-Qaeda.
A tese defendida por Mroué é a de que a Revolução Síria lutava com celulares e era reprimida com armas. Derivam daí diversos raciocínios, mas a premissa é que as redes sociais, Facebook em especial, com seus vídeos de mártires, libertam.
É o que há de mais anacrônico na performance, mais até que sua defesa da “revolução”. Em 2013, começaram as revelações de Edward Snowden e do WikiLeaks sobre os vínculos entre as gigantes de tecnologia e as agências de espionagem.
“Revolução em Pixels” soa ingênua e desinformada. Bem melhor é “Tão Pouco Tempo”, de 2016, dirigida pelo mesmo Mroué e apresentada por sua mulher, Lina Majdalanie, também na MITsp. Chega a parecer uma crítica ou autocrítica de “Revolução de Pixels”.
Na imagem mais significativa da apresentação, Majdalanie vai mergulhando velhas fotos suas em uma solução química e elas vão perdendo a nitidez, branqueando até desaparecer.
Com interpretação em chave irônica do começo ao fim, relata a história fictícia, como sublinha, de um mártir libanês da causa palestina, que retorna para casa vivo e passa a viver diversas confusões. Lembra “Roque Santeiro”, de Dias Gomes, a novela e a comédia original.
Permite-se até brincar com Brecht, referência do teatro político. O mártir vivo é convidado por um artista europeu para encenar sua experiência, agora com “distanciamento”, e não consegue entender o que ele quer dizer.
Uma versão desta crítica circula na edição de 17 de março de 2017 com o título “Em duas peças, Rabih Mroué defende e desiste da ‘revolução’”