Com Marcelo Médici, ‘Rocky Horror Show’ começa radiante, mas perde fôlego

Nelson de Sá

“Rocky Horror Show” depende muito de seu protagonista, do ator que faz o travesti alienígena Dr. Frank-N-Furter, uma paródia de cientista de Filme B. É quem comanda o cômico ritual de liberação sexual composto por Richard O’Brien em 1973.

Marcelo Médici é um “entertainer” como Tim Curry, que criou o personagem no teatro e depois no filme. Não tem a presença transgressora e lasciva do original, mas é carismático.

Segue-se tudo o que fala com fascínio pelo sarcasmo, pela inteligência agressiva a cada novo diálogo ou canção. Não é o primeiro espetáculo em que Médici mostra tamanho controle do público, faz o que quer com ele.

Mais importante, embora famoso comediante, Médici canta, tem voz. Andou afastado dos musicais, mas já em sua primeira canção —e desde logo o auge do espetáculo— ele se mostra quase um vocalista da banda. Em momentos de “Sweet Transvestite”, lembra Axl Rose antes da mudança na voz.

Sem constrangimentos, radiante, parece anunciar uma apresentação à altura do filme célebre de 1975.

Mas vem depois o arrastado segundo ato e, no final dele e da apresentação, ao interpretar a balada introspectiva “I’m Going Home”, sua voz e atuação parecem farrapos, sem uniformidade, foco. É quando “Rocky Horror Show” se concentra mais em Frank-N-Furter, mas Médici se dispersa.

O ato final é menos desenvolvido como encenação, de maneira geral. É como se o trabalho do diretor Charles Möeller tivesse se concentrado no primeiro, restando depois pouco tempo para dar ritmo ao segundo.

Outra atuação que empalidece de um ato para outro é a de Bruna Guerin, como Janet, a jovem bobinha que acaba de ser pedida em casamento e vai parar sem querer no castelo de Frank-N-Furter. É o conhecido papel de Susan Sarandon no filme.

Começa muito engraçada, com pequenos gestos, olhares, como fazia em sua ótima atuação no premiado “Urinal”. Mas tem seu desempenho esgarçado no segundo ato, a ponto de perder o humor e a sensualidade.

A perda de fôlego se dá em parte pelo abrandamento de “Rocky”. Quando nasceu no Royal Court Upstairs, sala de referência para criações de risco em Londres, era alta sensualidade “camp” à maneira de David Bowie, como descreveu então o crítico do “Daily Mail”, Jack Tinker.

Agora no teatro Porto Seguro, montado por Moeller & Botelho, o musical ressurge diluído. Não muito diverso de outras montagens da dupla para alguns dos autores mais significativos do gênero, como Sondheim e Chico Buarque, o resultado é profissional, mas inconsistente.

Em vez de atualizar e transgredir “Rocky”, como acaba de fazer a nova adaptação americana, com a atriz transexual Laverne Cox, trata o musical com reverência, reproduzindo até marcações, movimento de cena.

Não falta qualidade aos intérpretes para riscos bem maiores, a começar de Médici e Guerin. Também não faltam entusiasmo e entrega, tão necessários no gênero, como comprovam Jana Amorim, que faz Columbia, e Felipe Mafra, que faz o personagem-título Rocky, criado pelo Dr. Frank-N-Furter.

Uma versão desta crítica foi publicada na edição de 18 de novembro de 2016 com o título “‘Rocky’ começa radiante, mas perde fôlego”