Crítica: Fluxorama
Os quatro monólogos de “Fluxorama”, três dos quais já haviam recebido um primeiro tratamento em 2013, no Rio, confirmam o gradual amadurecimento de Jô Bilac. Evidenciam aprofundamento de personagens e temas, para além da inventividade formal.
O jovem dramaturgo carioca ainda é devedor de Nelson Rodrigues, como em “Rebú”, mas ficou para trás uma certa frieza de outras montagens de textos seus, como “Limpe Todo o Sangue”. E a influência rodriguiana já se dá menos pela farsa jornalística e mais pelas figuras humanas e sua introspecção.
Como em “Valsa nº 6” ou “Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, Jô Bilac trabalha aqui com situações limites –da proximidade da morte nos primeiros monólogos e do cerco e opressão do indivíduo pela grande cidade nos últimos.
O melhor exemplo está no quadro final, “Medusa”, com Caco Ciocler. Tanto nas palavras como na atuação, abre superficial, piadista, mas aos poucos seu ridículo se torna existencial, aproxima-se da miséria. Encerrada a apresentação, é aquele que persegue o pensamento do público.
As quatro cenas, sem elo narrativo entre elas, resultam inadvertidamente num torneio de atores. Aquela que empolga mais é “Valquíria”, com Marjorie Estiano. Em parte, por ser uma revelação diante de atores mais experimentados e reconhecidos, como Ciocler e Juliana Galdino.
O extremo da situação, uma jovem que tenta chegar ao fim da corrida de São Silvestre, é reforçado pela direção de Monique Gardenberg, apoiada neste quadro pela co-direção de Kiko Mascarenhas e pela preparação corporal de Renata Melo.
Em poucos minutos, talvez 20, sem sair do lugar, a atriz corre sem parar, perdendo forçosamento o fôlego e o autocontrole. A personagem questiona desde o motivo de estar ali até a própria vida –com gestos que remetem ao final trôpego de Gabrielle Andersen-Scheiss na maratona dos Jogos de 1984.
Galdino, em “Amanda”, e Luiz Henrique Nogueira, em “Luiz Guilherme”, carregam monólogos mais dramáticos e, na apresentação, de menor impacto junto ao público.
A atriz confirma o virtuosismo no papel de uma mulher que aos poucos perde os sentidos, os contatos com a realidade, sentada à mesa de uma casa suburbana. Vai se fechando, não vê mais, não ouve mais os outros, e passa a falar consigo mesma.
“Luiz Guilherme”, em que o personagem está paralisado num carro depois de um acidente, é o quadro em que a cenografia de Daniela Thomas e Felipe Tassara –um dos elementos fortes do espetáculo– impressiona mais.
Como é característico da cenógrafa, é uma ideia muito clara, até simples, levada ao limite de detalhamento: Os cenários são projetados numa tela transparente à frente do palco, e os atores, iluminados atrás da tela, surgem como se estivessem emoldurados no centro de uma pintura.
Na cena de Galdino, do papel de parede aos objetos, tudo é obsessivamente colorido e desenhado, resultando num artificialismo que reflete a perda da realidade por Amanda.
Na projeção estática da cena de Nogueira, o personagem Luiz Guilherme é envolvido pela mata espessa, um acúmulo de árvores, à espera da morte.
Uma versão desta crítica foi publicada na edição de 30 de julho de 2016 com o título “Atuações e cenários minuciosos revelam o teatro de Jô Bilac”