Crítica: O Teste de Turing

Nelson de Sá

Mais do que robôs, “O Teste de Turing” é sobre homens, especificamente os professores que vão questionar uma máquina, são ludibriados e passam a ser questionados por ela. Suas motivações, suas emoções são colocadas em xeque.

A máquina surge olímpica, vitoriosa antes mesmo de começar o espetáculo. Abertamente, o que está em teste é menos a humanização do robô, objeto da prova que dá título à peça, e mais a desumanização e a previsibilidade do homem.

A própria fórmula do teste original, com dois humanos e uma máquina num diálogo em que a máquina mimetiza reações humanas, termina sendo alterada no palco: o segundo humano é o próprio espectador, previsível, programável.

Pode ser frustrante para fãs de ficção científica juvenil, que talvez prefiram a máquina humanizada, um C-3PO, não o contrário. Mas não deixa de ser divertida.

E é da tradição do elo entre teatro e sci-fi, que caminham mais próximos do que se pensa –a começar da lendária peça tcheca que gerou a palavra robô há um século, “R.U.R.”, que ganhou versão recente em São Paulo.

Naquela peça, escrita sob o impacto das linhas de montagem e de toda a engenharia social da época, os robôs são representações alegóricas do homem tornado escravo, daí “robot”, que viria de servo em tcheco. “Turing” vai pelo mesmo caminho.

Seu autor, Paulo Santoro, é dramaturgo conhecido por peças intrincadas como a tocante “A Mulher que Ri”, de 2008 —e mais recentemente por criar o “card game” distópico “Deterrence 2×62”.

“Turing” foi escrita em 2004, é também intrincada, mas surge bastante simples no palco, efeito talvez da popularização do matemático Alan Turing por meio do filme hollywoodiano “O Jogo da Imitação”, de 2014.

O que também torna digeríveis os temas emaranhados da peça são a direção de Eric Lenate, que conduz o público com pistas claras e humor, e a atuação de Maria Manoella, ao mesmo tempo envolvente e fria como uma replicante de “Blade Runner”.

Dois pontos a questionar. Primeiro, a construção dos professores é indiferenciada, superficial, como tipos, não personagens –o que pode ajudar em sua “desumanização”, mas enfraquece o conflito –e a atenção.

Mais importante, em seu tratando de uma peça sobre o futuro, como aliás aponta o próprio programa, “Turing” adota o formato tradicional, marcadamente retórico, da “pièce à thèse”, peça de tese. Nada da ficção científica kitsch de “R.U.R.”, por exemplo.

Uma versão desta crítica foi publicada na edição de 29 de julho de 2016 com o título “Clara e divertida, ‘Turing’ testa previsibilidade humana”