Crítica: Fica Tranquila… Te Conto na Terça!

Nelson de Sá

Não há conexões claras entre as cenas. Cada uma parece ter vida própria e transcorre em torno de pequenas frases, em sua maioria tiradas de mensagens de WhatsApp —que foram trocadas ao longo dos anos pelos atores.

Também não existem sujeitos muito definidos, na transposição dessas palavras para o palco. Mas a música de Radiohead, Björk, Brigitte Fontaine e a própria busca de expressão através de movimentos e gestos não deixam a mente parar.

É uma performance não só verbal e física dos atores-criadores Julia Feldens e Ernesto Filho, mas também de música interpretada no momento por Léo Barbalho, interagindo com o que os corpos e a apresentação vão trazendo.

Feldens não é novata. Já havia enfrentado, muito jovem, personagens e peças de grande exigência do teatro, como Ofélia no “Hamlet” encenado por Ulysses Cruz. Deixou marca também na televisão, na Globo.

Ela retorna depois de quase uma década de hiato com um espetáculo de risco, sem temor, mais atenta ao que pode alcançar em expressão individual, em criação, do que ao impacto deste ou daquele papel.

Com larga formação em teatro de movimento, Ernesto é o antagonista ideal, além de co-criador. Os dois remetem a um casal, mas também a amigos, a jovens algo perdidos. A coreografia potencializada pela iluminação é cativante, envolvente.

É um espetáculo de circuito alternativo que encontrou seu lugar no Instituto Cultural Capobianco, próximo à praça Roosevelt, mas é divertido, tem seus momentos de humor —e tem potencial para se expandir para elencos e teatros maiores.

No que pode ser visto como uma autodescrição para a performance, durante um quadro que referencia karaokê, um dos personagens fala ou escreve —as frases são também projetadas— para o outro: “Ode ao pop tem limite!”.

Com bastante ironia e projeções que remetem à cultura urbana, “Fica Tranquila… Te Conto na Terça!” também se arrisca pelo drama, em torno de seus temas centrais, de romance, amizade, solidão.

Uma versão desta crítica foi publicada em 23 de maio de 2016, com o título “Montagem verbal, musical e física não deixa a mente parar”