Crítica: Amadores

Nelson de Sá

Se bem compreendi, amadores somos todos, em “Amadores”, a nova peça de Leonardo Moreira e da Cia Hiato.

Em suas pequenas grandes tragédias, suas histórias de resiliência, cada um dos amadores tornados atores é um pouco Sylvester Stallone em “Rocky, um Lutador”, o filme de 1976 que pontua a apresentação, referenciado aqui e ali, inclusive na célebre música-tema.

O espetáculo se equilibra sobre um fio, entre o que é comum, normal, ordinário, e o sublime e grotesco que todos vivemos algum dia.

Algumas vezes, um e outro surgem ao mesmo tempo, como no relato da mulher que passou por aborto espontâneo, nada mais natural, mas com toda a crueza da massa de carne humana que deixa o corpo antes de tomar forma.

Ou do estudante de ciências sociais que antes foi, menciona ele mesmo de passagem, craqueiro de rua.

Informações assim são colocadas abruptamente, no meio de relatos comezinhos e por vezes confusos —como aliás sublinha o crítico dentro da peça, um amador crítico de cinema, elogiando os muitos momentos dramáticos que aliviam os relatos alongados.

No tempo de duração da peça, é como se todos ganhassem o direito de ser não apenas artistas, mas de ter suas vidas iluminadas, provando ser cada pessoa um universo, como declarou o diretor.

É aposta de risco, diante de um público cínico, acostumado a ver em cada pessoa mais mediocridade que grandeza.

Mas Moreira e companhia, responsáveis por algumas das criações mais relevantes do teatro brasileiro nesta última década, como “Escuro” (2009), não abordam os temas superficialmente —a ponto de requerer aqui, registre-se, um público também amador.

Em cena estão 13 amadores, propriamente, como uma dona de casa, um ex-boxeador e um exilado de Angola, e cinco atores da Hiato que narram e representam, eles também, experiências próprias —e não menos genuínas.

A última cena é montada pela atriz Maria Amélia Farah, que tenta expressar o que aprendeu com Rocky, explicar o que é resiliência, com exemplos de si mesma, seus obstáculos, terminando com um hit de Cazuza que ela canta num lado do palco, voz tímida.

Música pop e Hollywood: nada mais cotidiano, clichê até, mas tão emocionante quanto os relatos. Ou mais.

O mesmo vale —com sinal trocado, por ser muito engraçada— para a cena do ator Thiago Amaral, que mobiliza todos os homens no palco para dançar uma música de Beyoncé como se estivessem num filme de Bollywood.

Em meio ao riso, está falando de sua profissão e de si mesmo, o que o espetáculo estende para tudo o que aborda, inclusive a produção tão restrita, viabilizada por um Sesc cuja fonte de receita é explicitada, até de forma temerária.

Uma versão desta crítica foi publicada na edição de 6 de maio de 2016 com o título “Cia. Hiato emociona com relatos verídicos de atores amadores”