Crítica: A Paixão Segundo Nelson
No programa de seu musical, Zeca Baleiro fala que o melhor de Nelson Rodrigues não está nas 17 peças de teatro, mas nos “textos jornalísticos” que ele escreveu, quase diariamente, por cinco décadas.
Isso se reflete na estrutura de “A Paixão Segundo Nelson”, em que o cantor tornado dramaturgo junta retalhos de crônicas e frases que encontrou em livros como “A Vida Como Ela É”, sem ordenação dramática.
Poderia durar 30 minutos ou três horas, daí a desatenção crescente, ao longo da apresentação.
O fio que tenta costurar os quadros, aliás com canções também díspares em gênero e interpretação, é Myrna, pseudônimo para a colunista diária de aconselhamento amoroso do “Diário da Noite”, publicada na coletânea “Não se Pode Amar e Ser Feliz ao Mesmo Tempo” (Nova Fronteira, 2013).
A caracterização de Roberto Cordovani é das melhores coisas do espetáculo, mas, do travestismo e do figurino ao humor entre ríspido e carinhoso, deve muito ao Nilton Bicudo de “Myrna Sou Eu” —que ficou três anos em cartaz até 2015 e tinha, este sim, desenvolvimento consciente e apurado do drama.
O que sustenta o espetáculo, apesar do texto claudicante, é a qualidade da encenação e da atuação em vários quadros, separadamente. Também algumas das composições, que são, elas sim, o melhor de Baleiro.
Vanessa Gerbelli, quase duas décadas depois de “Cazas de Cazuza”, reafirma o talento musical e o fascínio que andaram desperdiçados na televisão. Atua com facilidade na opção farsesca da diretora Debora Dubois.
Junto a Jarbas Homem de Mello num dos quadros, confirma uma constatação sobre musicais no país: o gênero casa perfeitamente com a música caipira, melodramática por natureza, sem temer ridículo.
De modo geral, do cenário aos movimentos, a produção é esmerada, rica.
Uma versão desta crítica foi publicada na edição de 8 de abril de 2016 com o título “Zeca Baleiro junta retalhos de jornal sem ordem dramática”