Crítica: Gilberto Gil, Aquele Abraço – O Musical

Nelson de Sá

A rigor, não dá para dizer que é teatro musical. Em qualquer show de Maria Bethânia ou de Gal Costa, para ficar nos Doces Bárbaros, existe mais teatro que no espetáculo de covers sem fim que é “Gilberto Gil, Aquele Abraço – O Musical”.

Não existe narrativa ou um mínimo desenvolvimento dramático, emocional, em suas duas horas. As 55 músicas se apartam dos contextos de origem e não chegam a desenvolver outros. Ou pior, quando tentam fazê-lo, enfatizam intenções idiossincráticas e disparatadas.

Canções sobre canções são tratadas com tal superficialidade, quando não banalidade, que acabam soando ofensivas ao compositor.

Talvez o que se buscasse fosse algo como “Beatles Num Céu de Diamantes” ou o desventurado “Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos”, mais para recital do que para peça teatral, mas isso exigiria maior capacitação em várias frentes.

Alguns dos atores-cantores não apresentam voz para tanto —o que não seria maior problema, é fato comum e facilmente contornável no gênero, mas também não parecem ter feito preparação para adequar a interpretação aos seus limites.

Também não parecem ter passado, de maneira geral, por uma prática maior de representação, nas passagens em que são chamados a representar, ainda que minimamente. O resultado são alguns quadros de causar constrangimento.

O maior deles, indescritível, é o que tenta reproduzir interminavelmente a ponte de comando de “Jornada nas Estrelas”, algo assim.

Mas um ou outro ator-cantor deixa a sensação de que pode sair-se bem em qualquer cena, por embaraçosa que seja. É o caso de Alan Rocha, intérprete conhecido de musicais mais qualificados, como “Forrobodó”, o clássico de 1912 de Chiquinha Gonzaga e Luiz Peixoto.

Pela voz, pelos movimentos, os incontáveis instrumentos que toca, a concentração, ele é o pólo maior de atração, no palco. Outro é Pedro Lima, de voz potente e porte majestoso, também bastante experiente no gênero, de “Tim Maia – Vale tudo, o Musical” e outros.

Mas eles são pouco explorados, perdendo-se na balbúrdia da encenação descuidada. Assim como se perde a cenografia de Hélio Eichbauer, com duas faixas cortando a cena, em cruz, para projeções algo óbvias, como capas de disco.

Uma versão desta crítica aparece na edição de 24 de março de 2016 (para assinantes) com o título “‘Gil’ confunde musical com show de covers”