Crítica: Portátil

Nelson de Sá

Há 13 anos, “Z.É. – Zenas Emprovisadas” lançou Gregório Duvivier e boa parte da atual geração de comediantes de múltiplas plataformas. Adolescentes, ele, Marcelo Adnet, Fernando Caruso e Rafael Queiroga se enfrentavam no palco.

“Portátil”, embora tenha traços de “Z.É.”, como improvisação e quatro comediantes rápidos, Duvivier, João Vicente de Castro, Luís Lobianco e Gustavo Miranda, segue outra linha.

Enquanto aquele tinha por modelo o programa “Whose Line Is It Anyway?”, de improviso curto e quase um jogo, formato tradicional do palco americano-canadense que revelou incontáveis comediantes para o “SNL”, este novo espetáculo é de improviso longo.

“Portátil” amontoa cenas de curta duração, inclusive criando letras de música, como em “Z.É”, mas o resultado é outro e, por assim dizer, mais adulto: ergue-se uma narrativa, no caso, a biografia de um espectador que selecionam para responder algumas poucas perguntas.

Nome, como os pais se conheceram, um defeito e uma qualidade, um desejo, com isso e pouco mais, os quatro partem para desvendar aquele indivíduo.

Na apresentação vista, com o teatro lotado, foi escolhida uma jovem na terceira fileira. Por sua reação a cada nova cena, de perplexidade, o que viu foi revelador para ela também.

Apesar da improvisação constante, os quatro parecem percorrer trilha parcialmente traçada, talvez para evitar vazios ou descontrole. Por exemplo, uma personagem surge do nada, para estabelecer um conflito paralelo –a melhor amiga da mãe, que se apaixona pelo pai.

Mas o conflito a ser resolvido, o objetivo que os quatro perseguem na trajetória que vão criando, vem do desejo expresso pelo espectador desde logo. Naquele dia, a jovem falou que gostaria de viajar o mundo. Foi o que sua vida no palco perseguiu, até o final.

Como esperado, pelos anos de estrada com “Z.É”, Duvivier é o eixo, quase uma rede de proteção, com tiradas não só engraçadas, mas espertas, ligadas ao cotidiano, ao noticiário –embora tenha evitado, ao menos naquela apresentação, abordar política diretamente.

O colombiano Miranda, que é até professor de improviso, vence –e explora– os obstáculos com a língua portuguesa e caracteriza bem seus personagens algo ingênuos, em contraste com o sarcasmo cortante de Lobianco, que remete mais ao besteirol carioca.

O espanto maior é com Castro, que até pouco tempo atrás nem era ator, mas consegue acompanhar com presteza o ritmo destrambelhado de comédia de seus colegas, bem mais experientes.

Embora tenha convivido pouco, lembra o humor do pai, Tarso de Castro, que criou o “Pasquim” e depois editou e escreveu nesta Ilustrada: uma graça no limiar da grosseria, que beija quem aparecer pela frente, como quem dá um murro.

Uma versão desta crítica aparece na edição de 22 de março de 2016 (para assinantes) com o título “Com poucas questões, ‘Portátil’ traça biografia de espectador”