Crítica: Desinventando a Bossa

Nelson de Sá

Lucio Mauro Filho, autor, diretor e ator, estava tenso demais no primeiro fim de semana de “Desinventando a Bossa” em São Paulo.

O espetáculo vem do Rio, onde entrou em cartaz em 2015, e uma versão anterior já havia estreado em 2014, “Rio Bossa Club”. É uma peça toda carioca, de “café-concerto”, mistura de teatro com show, como definem Mauro e seu parceiro no palco, Celso Fonseca, também diretor musical.

Mas talvez seja mais correto descrever como um espetáculo de Luiz Carlos Miele (1938-2015): várias garrafas, algum humor de cortina e canções interpretadas por um virtuose da música.

Miele, que morreu dias antes de fazer uma participação especial em “Desinventando a Bossa”, é o personagem que Mauro acaba de representar num filme sobre Elis Regina baseado no musical “Elis”, a ser lançado neste ano. A dupla Mauro-Fonseca reproduz, de certa maneira, Miele-Elis.

Mas Mauro esteve longe da suavidade sarcástica de Miele, ao menos no último sábado (9). Faltou texto, os diálogos de “Desinventando a Bossa” eram repetitivos e as piadas sobre São Paulo soaram artificiais, talvez pouco ensaiadas. E trata-se de outro tempo, na verdade.

Mauro já fez até Hamlet, dirigido por Ivan de Albuquerque no Rio, mas a marca que carrega hoje no palco é aquela de Tuco, que interpretou por mais de uma década em “A Grande Família”, ou de Aldemar Vigário, da nova “Escolinha do Professor Raimundo” —o papel que foi de seu pai no programa.

É humor popular, nada bossa nova, mais para o escracho do que para a ironia ou o duplo sentido. Reflete a própria concepção do espetáculo, que busca “desinventar”, suprimir a aura elitista que cerca a música de Tom Jobim e João Gilberto.

Como Celso Fonseca é ele também um músico e compositor de talento, não há estranheza e sim encantamento quando transforma em bossa nova canções como o funk carioca “Ela Só Pensa em Beijar”, de MC Leozinho, ou “Till There Was You”, dos Beatles.

Mas um maior capricho no roteiro e uma apresentação mais calma de Lucio Mauro Filho seriam necessários, para evocar Miele e o Beco das Garrafas como ele deseja.

Uma versão desta crítica aparece na edição de 13 de janeiro de 2016 (para assinantes) com o título “Lucio Mauro Filho exibe humor escrachado, mas peca no ritmo”