S’imbora, o Musical – A História de Wilson Simonal
A tão buscada redenção biográfica de Wilson Simonal, um esforço que já vai para década e meia, não se dá com o musical “S’imbora”, agora.
Não há como resolver conflito da realidade com personagem de ficção, pior, do qual se quer que a plateia sinta pena; pior ainda, num gênero como o teatro musical. Para desatar um nó da realidade, só mais fatos, informação, documentos que refutem outros documentos.
O esforço de estabelecer uma nova narrativa para o cantor acaba por afetar aquilo que o espetáculo teria de melhor, as canções. O melhor de Pelé –gols e jogadas– não é confundido com o que fala, mas com Simonal é o que se parece buscar: explicar com suas canções o que fez, falou e assinou.
Está tudo lá, no próprio espetáculo –dos amigos do Dops ao carro emprestado e às declarações de serviços prestados. Os autores Nelson Motta e Patrícia Andrade nada escondem, mas o resultado dramático não é melhor por isso. Irresolvido desde fora do palco, o conflito só faz confundir.
O mais afetado é o protagonista Ícaro Silva, que precisa dar vida a um Simonal alheio ao que corre à sua volta, o tempo todo à mercê de terceiros, por vezes beirando a estupidez. Quando chega o momento de interpretar a maior canção de Simonal, o personagem não está à altura dela.
O momento mais frustrante de “S’imbora” é quando, perto do final do primeiro ato, entra “Sá Marina”, de Antonio Adolfo e Tibério Gaspar, cujas gravações por Simonal, em áudio e vídeo, mantém presente a memória do grande artista, emocionantes –e tão superiores aos esforços neobiográficos.
Silva, que já provou qualidade em outros musicais, não tem agora como combinar a caricatura que a encenação pede dele, carregada de volteios vocais e gestuais, com um verso como “fez o povo inteiro chorar”. Noutros quadros se sai melhor, mas no geral está perdido –e agarrado à caricatura.
O melhor personagem, também a grande interpretação de “S’imbora”, é Carlos Imperial, o narrador vivido por Thelmo Fernandes. Está mais para alter ego de Nelson Motta do que para o próprio Imperial. É ao mesmo tempo romântico e comicamente cínico em relação a tudo, inclusive à própria vida.
Além de Fernandes, diversos outros intérpretes chamam a atenção pelo preparo e até pela empolgação com que surgem no palco. Também são marcantes o cenário de Hélio Eichbauer e as projeções de Rico e Renato Vilarouca, que não deixam esquecer o que foi, de fato, a época.
Registre-se que, ao se enveredar pela realidade, o musical traz cenas difíceis de aceitar. Um exemplo, de vários: Simonal psicologicamente agredido por policiais, quando quem sofreu tortura foi seu contador, por agentes do Dops, acusado de desvio de dinheiro pelo cantor. “S’imbora” não refuta a acusação.
Uma versão desta crítica aparece na edição de 19 de junho de 2015 com o título “‘Simonal’ se perde ao tentar se passar por biografia redentora”