“Muro de Arrimo”, quatro décadas depois

Nelson de Sá

A mão de diretor de Alexandre Borges pode ser sentida em “Muro de Arrimo” principal ou quase que exclusivamente na própria interpretação do monólogo.

Em relação ao que se conhece da atuação de Fioravante Almeida no Oficina, teatro onde trabalharam e que foi marcante para ambos, acrescentam-se camadas, nuances de emoção e razão, a representação se apresenta mais complexa.

É sempre difícil diferenciar o que tem de ator e de diretor, mas o que resulta agora é uma interpretação mais contida, com maior apropriação de sentido. A energia ainda presente, mas já não avassaladora.

Obviamente, muito vem do estudo que o ator, no caso também produtor, fez do texto de Carlos Queiroz Telles (1936-93), inclusive trazendo elementos externos que tornam o espetáculo mais variado.

É ainda um monólogo, mas um pouco menos concentrado no corpo e na voz. A cenografia, se a memória não falha, é mais ampla do que na versão com Antonio Fagundes, pouco mais que um muro.

Agora são andaimes, que o pedreiro sobe com a massa e sobre os quais ergue uma parede; mais projeção ao fundo, da cidade grande; mais o pó cenográfico da obra. Mais a trilha e a música original de Otto. Mais a locução de rádio de um jogo da seleção feita por Cleber Machado, narrador da Globo.

Ou seja, há muita diversidade, riqueza até, na produção, mas o que faz a diferença é a interpretação. Em sendo monólogo, não tem jeito, o que importa é o ator.

As palavras têm significado. Apontam a ausência de perspectiva de um pedreiro e como ele transfere para o futebol, para a seleção, a sua própria razão de viver, tão limitada, oprimida.

O texto é belo em si mesmo, mas não envelheceu bem. Havia, no retrato de um operário em 1975, uma afirmação de classe social, em meio à ditadura. Aqui a classe se esvaiu, e fica difícil compreender por que fazer um espetáculo assim. Não é a coincidência com a Copa no Brasil, #naovaitercopa.

Especulando, talvez seja essa a grande lacuna, como se não houvesse em cena consciência das motivações para erguer um “Muro de Arrimo” aqui e agora.

Não é mais o país operário que resultou em Lula e o carregou por fim à Presidência da República. Esse imaginário talvez já tenha se esgotado –e seria o caso de desvendar, na peça, o que mais ela traz.

Só assim se descobriria se Queiroz Telles –autor também marcado pelo Teatro Oficina, mas de uma outra era– é de fato um dramaturgo que sobrevive no palco, para além dos esforços de produção.

Quanto à direção de Borges, aguarda-se agora uma eventual temporada paulistana de “Uma Pilha de Pratos na Cozinha”, texto de Mário Bortolotto com que o ator estreou como diretor, em meados do ano, no Rio.