Satyros reencontram a cidade, uma vez mais

Nelson de Sá

A duas quadras da praça Roosevelt, subindo a Augusta, um pastor aluga uma sala para pregar regularmente para jovens tatuados e quem mais aparecer. Até pouco tempo atrás, a pregação era ao lado, num clube. O perfil da igreja no Facebook proclama: “Proibido pessoas perfeitas”.

Imagino que tenha nascido aí, desta realidade próxima, a nova peça de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. O programa do espetáculo diz que as “Pessoas Perfeitas” do título saíram da observação de moradores do centro de São Paulo e de entrevistas.

Elas, as pessoas perfeitas, estiveram quase sempre presentes nas peças dos Satyros, desde que os “professores imorais” aportaram na Major Diogo, também a poucas quadras da Roosevelt, há um quarto de século.

São personagens como o travesti Sarah ou Ruy, interpretado por Ivam, que cuida sozinho da mãe moribunda e se relaciona por telefone com um homem apático e casado, Robalo, feito por Eduardo Chagas. Ruy é irmão da caixa de clube e cantora Martistela, vivida por Adriana Caparelli.

Os três atores e seus personagens, com biografias, figurinos e maquiagem excessivos, tragicômicos, fazem de “Pessoas Perfeitas” um pequeno novo marco para os Satyros, retomando a linha que os caracterizou em São Paulo.

Ivam tem um de seus melhores papéis, para uma interpretação patética, grotesca, extremamente vulnerável. Contrasta e se relaciona perfeitamente com a aparente normalidade do personagem de Chagas, um açougueiro.

Caparelli, como a cantora frustrada e morrendo de câncer, se expõe como poucas vezes havia conseguido antes no palco –e o resultado é de grande beleza física e de uma incorporação do papel quase à “perfeição”, incluída aí a interpretação vocal.

Outros personagens e atores, como o garoto de programa ou sua namorada que frequenta a Igreja das Pessoas Perfeitas, se não chegam a causar o mesmo impacto, levam a apresentação adiante, sem perder ritmo e envolvimento emocional.

O resultado é uma redescoberta de São Paulo, novamente com compaixão e esperança, como no nome da mãe de Sarah e Maristela. Também para os Satyros, existe amor em SP.