Agora está dando para encarar a Broadway
No programa de “Se Eu Fosse Você – o Musical”, no teatro Cetip, o “supervisor artístico” Daniel Filho e o dramaturgo Flavio Marinho não escondem que o modelo que adotaram foi “Mamma Mia!”.
O espetáculo que estreou em Londres há 15 anos, com hits do Abba, iniciou a febre do “jukebox musical“, não só pelo êxito financeiro _que se estendeu para a versão filmada, maior bilheteria do cinema inglês até então_ mas pela qualidade da história.
O “book”, o texto que costurou as canções, era de Catherine Johnson –que havia ajudado a renovar a dramaturgia londrina na década anterior a partir do teatro Bush, ao lado do Tracy Letts de “Killer Joe”, entre outros.
Com trama tirada dos dois filmes nacionais de mesmo nome, dirigidos por Daniel Filho, Marinho não podia inventar uma história inédita como Johnson, mas seguiu caminho semelhante.
Autor que nasceu no besteirol e avançou pela comédia dramática, ele acentuou o humor e a dramaticidade do enredo relacionando-o com vários hits de Rita Lee.
Como havia acontecido com o Abba, em “Se Eu Fosse Você” as letras acabam ganhando mais atenção. E o que parecia leve e pueril mostra até certa gravidade, por exemplo, revelando ou destacando as menções a suicídio em diferentes músicas.
Marinho, como Johnson, não está ali só para brincadeira.
Mas a marca do espetáculo é mesmo a comédia rasgada. Ela se sustenta sobretudo na personalidade de Nelson Freitas, que faz o marido que troca de corpo com a mulher. Seu humor é popular, de diálogo constante com o público –e grande eficiência.
Cláudia Netto, a mulher, não fica atrás, revelando-se comediante sem medo da exposição, ela que é mais conhecida como uma estrela do renascimento dos musicais na última década e meia.
Fafy Siqueira, humorista experiente, e Osvaldo Mil completam o quarteto cômico-musical central, em produção que mescla bem os dois aspectos e ainda um terceiro, sua vibrante coreografia.
Desde Daniel Filho, que começou criança com Oscarito e Silva Filho no teatro de revista, ainda no circo, “Se Eu Fosse Você” se vale de décadas de experiência em comédia musical dos seus diversos componentes.
Marinho, Freitas, Fafy e o diretor-coreógrafo Alonso Barros deram os primeiros passos no gênero nos anos 80, em produções como “Splish Splash” e “Blue Jeans”, de Wolf Maya, e “A Chorus Line”, trazida ao país por Walter Clark.
“Se Eu Fosse Você – o Musical” por vezes perde a unidade entre as suas duas fontes díspares, a história do segundo filme de mesmo nome e as canções e letras de Rita Lee.
Mas poderá ser um marco: o primeiro musical com canções e sobretudo enredo brasileiros a vencer comercialmente num ambiente até então dominado por franquias da Broadway.
Flavio Marinho, em conversa depois da estreia em São Paulo, procurou expressar o significado do espetáculo:
Em função da reação ao “Se Eu Fosse Você”, que é calorosa acima da média, percebo que essa coisa de tratar de assuntos brasileiros, de falar brasileiro, isso tudo garante uma comunicação com o público. Já é quase o caminho andado. O povo brasileiro sempre teve a decantada musicalidade. O brasileiro gosta de musicais. Teve uma fase em que não tínhamos uma geração teatral preparada, que ainda não estava equipada, porque o teatro musical exige uma técnica. Agora a gente tem e está dando para encarar.
Uma versão desta crítica foi publicada na Ilustrada sob o título “Com jukebox de Rita Lee, ‘Se Eu Fosse Você’ no palco é outra coisa”.