David Mamet hoje prioriza retórica ao teatro

Nelson de Sá

“Teatro”, livro de ensaios de David Mamet lançado há quatro anos nos Estados Unidos e recém-publicado no Brasil (Civilização Brasileira, 176 págs.), tem pelo menos um capítulo verdadeiramente provocativo, como antigamente, do total de 26 —em sua grande maioria exaustivamente superficiais e repetitivos.

É o terceiro, em que o dramaturgo americano compara a experiência do espectador de teatro àquela da perseguição instintiva, primitiva, empreendida por um caçador. E parte dessa imagem original para extrapolações, algumas mais imaginativas que outras. O início do ensaio:

O homem é um predador. Sabemos disso porque nossos olhos se situam na parte frontal da cabeça. A mesma conclusão pode ser obtida lendo os jornais.
Como predadores, ao fim do dia nos reunimos ao redor da fogueira com as histórias da caçada.
Essas histórias, tal como a caçada em si, apelam para o nosso mais primitivo instinto de perseguição. O herói da história está perseguindo seu objetivo —o esconderijo do veado, ou a causa da praga em Tebas, ou a questão da castidade de Desdêmona, ou a localização de Godot.

O leitor se anima com o que prenuncia ser um livro instigante, mas a sensação é passageira. Logo se impõe uma cantilena de ataques enfáticos —sem apresentar argumentos— a Stanislavski e daí aos diretores em geral, às teorias europeias de teatro, às feministas, aos “liberais” de alto a baixo.

Declarações peremptórias, raivosas, quase blogueiras, tomam o lugar da ironia e da leveza de um livro anterior que, embora com estrutura e alguns temas semelhantes, soa agora quase como obra de algum outro autor, “Writing in Restaurants” (Penguin, 1987).

A exemplo de Tennessee Williams ou Arthur Miller, Mamet, aos 66 anos, enfrenta o que muitos já descrevem como decadência de seus enredos e antes lendários diálogos, cada vez mais retóricos e por isso amontoando fracassos na Broadway e até mesmo em teatros regionais dos EUA.

Ao longo das últimas duas décadas, enquanto sua escrita definhava, Mamet, a exemplo do que acontece também no Brasil, inclusive no teatro, se deixava levar pelo crescente radicalismo discursivo na política —e o maniqueísmo, já presente em muitas peças, se acentuou.

Perdem-se hoje no tempo peças de referência como “Glengarry Glen Ross” (1983), talvez sua obra-prima e que o fez herdeiro não só dos americanos Williams e Miller, mas sobretudo da linguagem do inglês Harold Pinter, de quem foi protegido. “Oleanna”, já um degrau abaixo, estreou 22 anos atrás.

Nos últimos anos, com graus variados de fracasso de público e/ou crítica, amontoaram-se “Romance”, “November”, “Race”, “The Anarchist”. De “Writing in Restaurants” para este “Teatro”, a impressão de decadência é a mesma com seus textos teóricos: de estimulantes e engraçados, passaram a rancorosos e, principalmente, gratuitos.

Uma versão deste texto foi publicada na Ilustrada sob o título “‘Teatro’ é obra de um David Mamet decadente e rancoroso“.