Ieda Ferreira, 58 anos de camarim

Nelson de Sá

No jornal de hoje, publico um texto breve sobre a algo lendária camareira Ieda Ferreira, 82. Abaixo, uma edição mais extensa das duas conversas:

Comecei na revista, teatro de revista. Lá no Rio de Janeiro. Walter Pinto.

Quem eram as vedetes daquela primeira revista?

Nélia Paula, Virgínia Lane, Renata Fronzi. A Dercy, que era cantora na época.

O que faz uma camareira?

Cuida deles, do figurino. No teatro de revista, só tinha figurino. Era muito trabalho. Tinha que cuidar de tudo, sapato, luva, biquíni.

Já era então bastante licencioso?

Era tudo muito lindo. Tudo o que o pessoal faz hoje o Walter Pinto já fazia.

Foi Walter Pinto quem te contratou?

Não, tinha um funcionário especializado em contratar os técnicos. Existia uma pessoa que contratava a claque, que era para bater palma, e as camareiras, o puxador de cortina, os contra-regras. Ainda não era profissionalizado. Hoje é técnico de teatro.

Tem até sindicato.

Depois de muitos anos, né.

Foi você que procurou o teatro?

Eu era do fã-clube da Emilinha Borba, naquela corriola que um repórter chamou de macacas de auditório. Fez porque a gente… porque eu sou pobre. Eu ia na rádio Nacional, porque os artistas participavam do programa César de Alencar. Aí um ator que estava para montar uma revista viu a gente lá e trouxe para trabalhar como camareira. “Vocês gostam tanto de artista, vai estrear uma revista e estão precisando de camareira, vocês não querem trabalhar lá, porque aí vão ver todos os artistas, vão poder entrar”. E ainda tinha um ordenadinho. Aí nós fomos trabalhar, para a camareira, para aprender. Foi assim que eu comecei, trabalhando na companhia do Silva Filho.

Onde você morava?

Eu morava no Rio, sou carioca. Sou de Ramos.

Era longe da rádio Nacional?

Ufa. Não tinha nem a avenida Brasil.

Qual foi essa primeira revista?

Era “Agora a Coisa Vai”. Trabalhavam todos da época: Perpétuo Silva, Silva Filho, o Colé, Consuelo Leandro, os da época. A família Celestino.

Você trabalhou com alguma atriz específica?

Não, quando a gente está começando, trabalha primeiro com as bailarinas, as “girls”. Era assim naquela época. Depois, na outra revista em que fui, no Walter Pinto, aí já trabalhei com as vedetes.

Qual foi a primeira vedete que você vestiu?

Ah, a Nélia Paula. Tinha a Consuelo Leandro, a Ester Tarcitano. Tinha a Íris Bruzzi, que era bailarina, não era vedete, mulher do Walter Pinto. Tinha a Celeste Aída, Dercy Gonçalves, tinha todas essas pessoas que depois ficaram famosas.

Você se lembra de algum pedido diferente de alguma das vedetes?

Ah, naquele tempo era uma disputa danada. Virgínia Lane, todas queriam ficar no centro. Então elas inventavam, as roupas delas eram grandes, tinham penas, tinham não sei o quê, para ninguém ficar do lado delas, para ficar sempre afastada. Tinham esses coisas de vedete.

E os homens?

Tinha Oscarito, tinha Grande Otelo, todos eles. Quando você é camareira numa companhia, tem que trabalhar para todo mundo. Tinha o Walter D’Ávila. Tinha o Chico Anysio, que ficava contando piada enquanto as meninas se arrumavam para o final.

Era a cena que chamavam de cortina?

É, cortina. De vez em quando ele encostava e perguntava, “Está pronto?”. Mas só entendia quem estava lá. Enquanto não estava pronto, ele ficava contando as piadas dele. Tinha José Vasconcelos, tinha todo mundo. Trabalhei para todo mundo.

Quais eram as suas tarefas?

Ah, função de camareira é cuidar dos figurinos. Na revista era muito trabalho, porque as meninas trabalhavam mais que todo mundo. As “girls” eram meninas que dançavam que nem hoje tem no “Faustão”. A mãe do Ney Latorraca era “girl”. São moças bonitas que sabem dançar, para enfeitar os quadros. Quando a gente começava a trabalhar com as bailarinas, trabalhava muito, porque elas entravam em todos os quadros e mudavam muito de roupa. Mudava tudo, não era só roupa. Era biquíni, era luva, era o sapato, chapéu. Já quando você trabalha com a vedete, com a estrela, é menos. Só cuida de uma.

Você costurava os figurinos?

Ah, tem que saber costura. Tem que entender um pouco porque, se estraga alguma coisa na hora de entrar, você tem que dar um jeito. Então tem que ter noção.

O teatro de revista, lá pelos anos 60, desapareceu.

Aí foi acabando, porque a televisão começou a ficar forte. Antes a televisão não era forte, e o pessoal ia a teatro. Quando todo mundo começou a ter televisão, foi modificando. Aí o teatro de revista foi caindo. Hoje se transformou em musical, hoje eles falam que é musical.

Você fez algum musical depois?

Depois da revista eu fui trabalhar no teatro de comédia. Eles diziam que era teatro sério. O único musical que fiz foi “Piaf”. Bibi é uma pessoa ótima. É muito profissional. A Bibi eu vejo sempre. Quando não estou trabalhando, vou assistir. Esse último dela eu assisti.

É impressionante, porque ela está com mais de 90 anos.

É, está com 92, mas tem uma força brutal. Eu conheci Bibi na Praça Tiradentes, fazendo “Escândalos de 1950”. Foi o primeiro musical que assisti. Depois ela fez “51”, “52”, “53”, fez vários.

Ela já dirigia?

Não ali. Ela sempre foi preparada para isso, mas ali era dona da companhia e cantava, dançava, fazia tudo. Tudo o que ela faz hoje ela já fazia. Só que era uma revista grande, tinha um elenco muito grande. Mas depois o teatro Carlos Gomes pegou fogo, aí teve que ir para outro.

Você se lembra de alguma maluquice das vedetes ou das “girls”?

Cada uma tinha a sua maluquice. Uma botava folhinha de arruda dentro do sapato, dizia que era para dar sorte. Outra, uma coisa atrás da orelha. A revista tinha mais isso. Quando eu fui para a comédia, não.

Quais eram os seus artistas favoritos?

Na revista, de quem eu gostava mais era o Oscarito. Oscarito e Grande Otelo. E a vedete de que eu gostava mais era Nélia Paula. As pessoas se enganavam com Oscarito, porque lá dentro ele era seríssimo.

O Grande Otelo também?

Não, o Grande Otelo era aquilo mesmo. [risos] Sempre correndo atrás das mulheres, loiras. Ele gostava de loira. E alta. Era baixinho e gostava de loira alta.

Além da comédia, você lembra alguma peça que fez do teatro sério, mais recente?

Eu fiz tantas peças, tantas. Porque nunca parei de trabalhar, tenho 50 e tantos anos de teatro, trabalho desde os 16, então isso diz tudo. Fiz muita peça séria. Fiz com a Fernanda Montenegro, “Dona Doida”, “As Lágrimas Amargas”, “Fedra”, que viajou pelo Brasil, era o Boal o diretor, Augusto Boal.

Boal pegava no seu pé?

Não, ele ia lá com os atores. Com a gente, não. Os técnicos não têm muita… Só se tiver alguma coisa errada. Era um bom diretor. Fiz, com Edwin Luisi, “Freud Além da Alma”. Muito bom, Edwin Luisi. Fiz, com Diogo Vilela, “Ensina-me a Viver”. Fiz um monte de peça. Fiz com a Nathalia [Timberg] “Meu Querido Mentiroso” e agora este último.

Você fez peça experimental também?

Eu trabalhei bastante no Arena, mas também com elas, com atrizes que me convidam.

Dina Sfat?

Dina Sfat, quando trabalhei no Arena, ela estava começando. Estava namorando esse que está aí, na novela. Mas ela já era atriz. Atriz jovem. Bonita e muito boa atriz.

O Arena era bastante engajado. Era contra a ditadura, por exemplo. Como você via isso?

Eles eram, sim. Arena e Oficina, eles tinham lá as ideias dele. Eram contra a ditadura, tudo isso. Está certo. Eles não estavam errados, não. Estavam lutando por um teatro que fosse mais brasileiro. À época do TBC, era só peça estrangeira. Aí quando teve o Guarnieri e o Zé Celso, eles criaram o Oficina e o Arena.

Você chegou a trabalhar com o Oficina?

Também. Não vou me lembrar, mas a peça era muito engraçada. Foi uma revolução, né. Eu conheci a Etty Frazer lá no Teatro Oficina. O Borghi. A Etty está fazendo essa peça aí, “A Última Sessão”.

E esse teatro mais experimental, como “Tríptico Samuel Beckett”? É estranho para você?

Não, não é estranho não, porque eu já fiz todos os clássicos. E a Nathalia gosta de fazer essas peças assim. Ela curte. Quando eles a chamaram, ela me indicou.

Aos 82, você já poderia ter se aposentado.

Já sou aposentada há muito tempo.

Mas continua.

Continuo. Se parar, morre.

Onde você mora?

Aqui na Ribeiro da Silva, no centro. Sou carioca, mas moro em São Paulo.

Quando veio para São Paulo?

Eu vim para cá com Carlos Machado e Walter Pinto, para fazer um espetáculo chamado “Skindô” no teatro Record. No tempo áureo da Record, quando ela fazia tudo quanto é musical e trazia tudo quanto é artista estrangeiro. Vim nessa época, para fazer “Skindô”, que era uma peça que estava no Copacabana Palace e veio para cá. Eu peguei aqui. Tinha acabado de fazer uma revista com o Silva Filho, chamada “Rumo a Brasília”, quando estavam fazendo Brasília. Quando acabou essa revista, no teatro Paramount, o diretor do teatro Record convidou os técnicos que quisessem ficar, que teria trabalho. Foi aí que resolvi ficar em São Paulo. Era 1960 e pouco.

O teatro Paramount é esse que agora se chama Renault?

Agora é esse, que estragaram. O teatro era belíssimo. Deixaram só a casca, por dentro fizeram outra coisa. Era maravilhoso. Era lindo, do tempo do Império, com frisa, camarote, galeria, como eram os teatros antigos. Aí desmancharam tudo, fizeram aquela porcaria e deixaram só a casca, por fora. Como estão fazendo com o TBC.

Estão fazendo isso com o TBC também?

O TBC só está a casca também, por dentro diz que é outra coisa. Eu ainda não fui lá, porque ainda não inaugurou. Mas espero que eles façam o possível para conservar o prédio.

Você chegou a trabalhar com o TBC?

Claro, trabalhei bastante. Com Glória Menezes, Altair Lima. Trabalhei numa comédia lá que se chamava “Infidelidade ao Alcance de Todos”. Era a primeira peça do Lauro César Muniz, isso era 63, 64. Ficamos um ano lá em cartaz e viajamos pelo Brasil inteiro também, como agora.