Uma geração de comédia que não apele ao racismo, ao sexismo, à homofobia…

Nelson de Sá

Anos atrás, quando vi Rafinha Bastos e Danilo Gentili pela primeira vez juntos no palco, achei o primeiro conservador e o segundo liberal. Estava errado. Politicamente, Rafinha se mostrou liberal, no sentido americano da palavra, amigo de Thaíde; e Danilo virou um conservador, até reacionário, seguidor de Olavo de Carvalho.

Mas rótulos políticos, no caso, não importam. Desde o princípio, eram ambos _e quase toda aquela geração de stand-up, Diogo Portugal inclusive_ semelhantes nos alvos que escolhiam. Se de um lado Danilo vive hoje de rompantes de racismo e mira sempre os mais fracos, de outro a piada clássica de Rafinha explorava a suposta feiúra das mulheres de Rondônia.

No concurso de comédia stand-up realizado na semana passada, a minha esperança desde o início do projeto era que surgisse uma nova geração, mais para Fábio Porchat, que sempre que pode ataca os preconceitos, do que para Danilo e Rafinha _em que pese ainda admirar neles a comicidade inata, o tempo perfeito etc.

Apareceu de tudo no concurso, inclusive publicitário que, tomando a geração anterior por modelo, transpirava comédia mas já dando sinais de bullying racial, sexual, social. Não é o caso dos dois finalistas, Celo Bechert e Márcio Pial. Eles têm comicidade inata etc. mas os seus textos não confundem piada com agressão nem atiram nos fracos para fazer rir os fortes.

É difícil imaginar hoje, mas em sua primeira “rotina” Danilo Gentili era como Celo Bechert. Fazia piadas obsessivamente sobre a mãe, mas na verdade sobre si mesmo: era capaz de rir de si mesmo. Sobre Celo, agora, é preciso torcer para que mantenha a capacidade de se ridicularizar, nas “rotinas” mais complexas que vêm por aí.

Márcio Pial já é mais desenvolvido e complexo. Durante as suas apresentações no concurso, a primeira de uns dez minutos e a final quase de improviso, de uns três, foi possível vislumbrar alguma coisa das grandes referências americanas das últimas décadas, George Carlin e Louis C.K. O raciocínio engenhoso, o fundo moral, o humor inesperado, que surpreende.

Assista aos vídeos de Celo Bechert e Márcio Pial ou à íntegra de 2h16min

Contra a desculpa recorrente _e aí sim política_ para o humor racista, sexista e homofóbico, o dramaturgo Tony Kushner já vacinou quase duas décadas atrás:

A direita tentou transformar [a expressão politicamente correto] num rótulo. A verdadeira ameaça à liberdade de expressão vem, não da esquerda, mas da direita. Basta olhar a direita religiosa. Eles querem controlar aquilo em que você acredita, o que você pensa.