Aos 9, Falabella descobriu o palco, os musicais e as atrizes
Em conversa com Miguel Falabella para reportagens na Ilustrada e no TV Folha, durante um ensaio do novo musical que vai estender o avanço do gênero para o teatro do Sesi, o diretor relatou que sua defesa fervorosa de um musical brasileiro, não mais decalcado dos modelos americanos, nasceu de um fato ocorrido na preparação para “Os Produtores”, anos atrás.
No quadro com os andadores, em que o produtor teatral interpretado por Falabella dançava com velhinhas cheias de dinheiro para levantar recursos e montar seu espetáculo, a equipe técnica toda argentina, que veio a São Paulo garantir que a versão seguisse passo a passo o original da Broadway, repetia “uma vez mais, uma vez mais”, sem parar. Até que o ator perdeu a paciência.
Pelo relato, ele jogou os andadores para cima dos argentinos, que saíram correndo porta afora. Começava ali a jornada nacionalista de Falabella, que ele detalha nas reportagens. Foi com esse fervor que ele decidiu alterar a direção de “A Madrinha Embriagada” _de uma homenagem à Broadway dos anos 20 para uma celebração do teatro e da cultura de São Paulo nos mesmos anos 20.
O teatro de revista e o modernismo se reúnem, num caldo que ele ainda está buscando nos ensaios na Vila Madalena, com produção milionária do Sesi. [Registre-se que não é a primeira incursão do Sesi no gênero: há mais de três décadas, permaneceu em cartaz, por longa temporada, “O Poeta da Vila e seus Amores”, musical de ninguém menos que Plínio Marcos, sobre Noel Rosa.)
Paradoxalmente, nas mesmas conversas Falabella contou que sua paixão pelo teatro nasceu de um musical americano. Mais especificamente, foi quando ele deixou a ilha do Governador aos 9 anos, bem vestido, levado por uma tia para ver “Hello, Dolly!”. Quer dizer, seu vínculo com o palco veio de um espetáculo da Broadway, adaptado no país para a brasileiríssima Bibi Ferreira.
Ele acabou montando “Alô, Dolly!” no ano passado para Marília Pêra, tão representativa do teatro nacional _e musical_ quanto Bibi. É neta de Antônia Marzullo, que surgiu como corista há quase um século, no Rio, e filha de Dinorah Marzullo e Manuel Pêra, atores lendários. Estreou num palco aos 4 anos, em 1947. E estava na versão da mesma Bibi para “My Fair Lady”, em 1962.
Simbolicamente, foi essa história que Falabella colocou em cena, em “Alô, Dolly!” _e o que ele quer com “A Madrinha Embrigada”, agora, vai na mesma direção. Assisti “Alô, Dolly” no teatro Casa Grande, no início do ano, no Rio. A produção era um pouco pesada, de cenários e mise-en-scène, mas o que importava, de fato, eram as atuações de Marília Pêra e do próprio Fabella.
A atriz tem a divisão precisa entre comédia e drama, entre ironia e sobretudo fragilidade, que tornaram Dolly uma personagem tão importante para o teatro musical americano e mundial. Ela permite acreditar que, como Dolly, sabe o que é fome e miséria. Não bastasse isso, canta com precisão que poucas atrizes _não cantoras, de preparo diverso_ conseguem alcançar no Brasil.
“Alô, Dolly!” encerrou temporada em São Paulo domingo passado. Falabella diz que foi seu último trabalho em cena, como ator. Claro que é uma dessas proclamações que dificilmente são cumpridas, no teatro, mas foi de longe sua melhor atuação em musicais. Muito acima de “Os Produtores”, por exemplo. Não fazia o papel de si mesmo, mas até de escada, diante da grande atriz.
Ele alcançou com Marília Pêra uma integração que só havia conseguido, até onde pude assistir, com Marisa Orth nas gravações ao vivo de “Sai de Baixo” _que por sua vez foi um programa derivado, no meu entender, de “Algemas do Ódio”, comédia ainda mais popularesca de 1991, com ambos. As duplas cômicas que formou com Pêra e antes com Orth são muito semelhantes.
Se tem uma qualidade que não é mais possível negar a Falabella é sua reverência aos ritos do teatro, as mitos, digamos. Ele reconhece o poder da atriz no palco, da bacante. Quando fala de Bibi em “Dolly!”, foi o que o menino de 9 anos vislumbrou. É assim também quando escala Orth: ele vislumbra o que a grande comediante representava. É assim também com Pêra e Stella Miranda.
Stella, com quem fez “South American Way”, volta agora como a própria “madrinha embriagada” do novo musical. Não satisfeito, ele põe em cena, com os R$ 12 milhões destinados à produção, as duas atrizes mais consagradas dos musicais brasileiros desde a retomada, uma década atrás: Sara Sarres e Kiara Sasso. De quebra, foi buscar Adriana Caparelli no teatro Oficina.
Infelizmente, não se pode dizer que “The Drowsy Chaperone”, o título original, apesar dos cinco prêmios Tony, seja dos mais adequados para celebrar o palco. Tem uma grande canção, “Show Off“, a ser interpretada por Sarres, mas não pode ser comparado a “Gypsy”, “42nd Street”, “A Chorus Line”, “A Little Night Music” ou até mesmo “Os Produtores”, como rito do próprio teatro.
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