“Toda Nudez”, a comédia
Não tenho acertado muito no gosto. O que vejo e aprecio, no palco, é pouco notado e menos ainda elogiado na avaliação corrente, boca-a-boca inclusive.
Gosto muito do que Dirceu Alves Jr. escreve em seu blog de teatro. Evita preconceito e favoritismo, acompanha a cena obsessivamente e escreve com franqueza sobre o que vê, sem esconder o que pensa. Mas ele não gostou muito de “Toda Nudez Será Castigada”, enquanto eu acho a melhor encenação de Antunes Filho em muito tempo.
É um outro Nelson Rodrigues por Antunes, mais leve, mais curto, com elenco menor, marcações mais simples _e cômico, extremamente.
Esta “Toda Nudez” é uma versão em negativo, inclusive na contraposição à tragédia, de “Otelo”. Abordada sem drama pelo diretor, é uma crítica ridicularizante ao ciúme e à vingança, como focados por Shakespeare, e uma exaltação ao desejo e ao amor.
Ondina Clais Castilho é quem incorpora os dois sentimentos em cena, quase como uma criança, incapaz de questionar moralmente os caminhos por onde eles a levam. É o oposto de Desdêmona, não com paixão menor, apenas menos constrangida.
“Toda Nudez Será Castigada”, a montagem, é obviamente a celebração do reencontro entre o diretor e a atriz, ela que foi tão significativa para o Centro de Pesquisa Teatral (CPT) e seu trabalho reunindo interpretação e criação, que resultou na série “Prêt-à-Porter”.
Talvez eu esteja na corrente contrária e errada, mas tenho a sensação de que Antunes, aos 82, encontrou um novo momento de criação e risco _que já se avizinhava no musical “Lamartine Babo”, sua estreia como dramaturgo, que segue em cartaz.
Melhor ainda que o faz, agora, pelas mãos de Ondina.
Muito do espírito deste novo Nelson por Antunes pode ser vislumbrado nas fotos de Lenise Pinheiro, dos ensaios.
PS 22.10 – Sobre Ondina, não é de hoje que responde como um motor de diretores.
Estava na montagem que veio a marcar o aprofundamento do trabalho de Nelson Baskerville, “17 x Nelson”, sete anos atrás. Assim como estava em “Floresta de Carbono”, quarta e melhor peça da tetralogia “Jaguar Cibernético”, texto e direção de Francisco Carlos, no ano passado.
No palco, agora, ela que foi talvez a mais bonita das muitas belas atrizes de Antunes, desde a criação do grupo Macunaíma, segue assim, como expõe em uma das cenas de “Toda Nudez”, quando a personagem Geni proclama: “Se há uma coisa que tenho bonito é o busto!”.
Mas desta vez a atriz marca sobretudo pela precisão de voz e de movimentos. Marca pela maneira como a experimentação formal do diretor, nas duas frentes, resulta nela inusitadamente natural, o oposto do artificialismo.
Nada de enfadonho e repetitivo, pelo contrário: uma grande variedade de sentimentos, apesar dos trilhos, das limitações impostas pela encenação.
Boa parte do humor da montagem vem de sua Geni, do jogo que Ondina faz entre o constrangimento da forma e a fluência da narrativa no original de Nelson Rodrigues. É um Nelson como não se estava acostumado a ver, em Antunes inclusive.