Myriam Muniz, por Scapin: Você vai vendo menos, menos… O teatro ajuda a ver de novo

Nelson de Sá

O monólogo “Eu Não Dava Praquilo” de Cassio Scapin, dirigido por Elias Andreato, com textos selecionados de Myriam Muniz, passa rápido demais. As breves lições, boa parte delas através de histórias que o ator vai recontando, como se fosse ele próprio a atriz e professora, fazem querer mais.

Um exemplo, logo de cara: “Eu fazia teatro no quintal, convidava todos os amigos. Pagavam com um palito de fósforo, era simbólico… E eu pegava as colchas das camas, fazia assim com o arame, fazia o palco…” Em poucas palavras, duas lições sobre o profissionalismo e a produção no teatro.

Outra: “O bom de fazer teatro quando a gente é criança é que tem a fantasia solta. E todo mundo acha normal. Ninguém fala que é mentira. Depois que é adulto, é mais difícil. Você vai se acostumando a ver só o que é, mas você na realidade vê menos do que é, vai vendo menos, menos, menos… até que não vê mais nada. Então o teatro te ajuda a ver de novo. Quanta gente que não volta a sentir o gosto do pão com manteiga depois que vê o pão com manteiga no teatro! Quanta gente que não percebe o filho depois que vê o filho no teatro!”.

Maria Thereza Vargas, que organizou “Giramundo: o Percurso de Uma Atriz”, incluindo longo depoimento da atriz, base maior para o espetáculo, diz que Scapin escolheu bem os textos. E lembra que, no fundo, os ensinamentos teatrais de Myriam Muniz se resumiam a “trabalho… trabalho… trabalho”.

Outra passagem, talvez a mais significativa: “Foi no Arena que aprendi mesmo a fazer teatro, porque cuidava do guarda-roupa, pintava o teatro, lavava, dava festas, promovia as peças, trabalhava de atriz, produção, tudo, era uma energia fantástica… com 30 anos. Mas hoje tem tanta gente aí que eu vejo, com 30 anos, que já está cansada. Ou com vaidade. ‘Ah, isso eu não faço.’ ‘Ah, eu não carrego cadeira.’ Em tudo o que faz a gente aprende alguma coisa. Tuuuudo. Só não aprende quem não faz. Quem não faz não sabe naaada”.

Tanto quanto as lições, a própria construção da personagem por Scapin leva o espectador a querer mais. Ele se esmera, se dedica aos detalhes físicos e de voz daquilo que ficou, quase como lenda, de Myriam Muniz no teatro paulistano.

Só a vi uma vez no palco, em “Porca Miséria”, peça em que fazia uma caricatura de uma mãe italiana, mas também dela mesma. Era o melhor do texto de Marcos Caruso. Como quase tudo o que ela fez na carreira, tinha forte carga de crítica social e política.

Havia nela, como em Scapin, um fascínio, algo que faz com que não se desvie o olhar, que se queira acompanhar mais, conhecer.

O mais importante é que o ator não tenta, propriamente, representar a atriz. Seus gestos remetem a ela, suas alterações de fisionomia, o olhar. A altivez com que se apresenta remete, mais do que tudo, à presença de Myriam Muniz.