Cacilda https://cacilda.blogfolha.uol.com.br Blog de teatro Mon, 29 Nov 2021 21:38:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘Natasha’ traz de volta o melhor de Bruna Guerin e Zé Henrique de Paula https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/09/10/natasha-traz-de-volta-o-melhor-de-bruna-guerin-e-ze-henrique-de-paula/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/09/10/natasha-traz-de-volta-o-melhor-de-bruna-guerin-e-ze-henrique-de-paula/#respond Mon, 10 Sep 2018 05:00:33 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/natasha-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17187 Natasha, Pierre e o Grande Cometa de 1812
★★★★
033 Rooftop, JK Iguatemi. Av. Juscelino Kubitschek, 2.041. Sex., às 21h30; sáb., às 16h e 21h30; dom., às 19h30. Até 25/11. R$ 130 a R$ 160. Menu completo: R$ 133

Nesta adaptação para musical de uma passagem de “Guerra e Paz”, a agora estrela Bruna Guerin tem algumas das melhores cenas de sua carreira, de maior arrebatamento, no papel de Natasha, heroína que se deixa levar pela paixão e é punida por ela.

Passa com facilidade da descrição narrativa, uma das características deste musical, para a emoção plena. Vai do distanciamento para a fusão com a personagem, com um estágio potencializando o outro.

Amadurecida, com controle sobre a própria interpretação tanto vocal quanto emocional, a atriz conduz os diálogos mais conflitantes com segurança, entre a jovialidade inicial e o posterior desespero, que a aproxima do suicídio.

O coprotagonista André Frateschi, que faz Pierre, não chega a tanto, talvez por ser menos experiente na atuação, propriamente. Apesar de filho de atores, dedica-se mais à música. Seu personagem passa boa parte da peça monocordicamente mal-humorado, sem que precisasse se prender assim.

Mas no final, quando o papel ganha um propósito mais claro, o intérprete se concentra e, cantando sempre bem, faz um dueto final emocionante com Bruna.

E acrescenta na sequência a redenção do cometa que toma os céus de Moscou e trará horrores, mas que naquele instante prenuncia a paz, o fim da dor e do desalento. Como um instante de silêncio, antes da tempestade.

Não se trata, que fique claro, do romance avassalador de Tolstói, talvez o mais grandioso já escrito, mas de um pequeno recorte dele. É tão leve, se comparado ao original, que pode soar ofensivo, daí o aviso ao leitor.

Zé Henrique de Paula, diretor de maior produção no teatro paulistano recente, está aqui novamente com a sua própria companhia, aquela que levou ao palco o exitoso “Urinal”, outro musical de risco buscado no cenário alternativo de Nova York.

Desta vez, põe em cena a sua diretora musical, Fernanda Maia, tocando e regendo no centro do palco. Transforma a execução musical ela própria em espetáculo.

Do que se conhece, é a encenação mais inventiva da companhia, com um palco que serpenteia no meio do público, com direito a comida russa, se o espectador pedir —como que ensinando o que seria possível conseguir de integração ao teatro em salas assim, como tantas que existem em São Paulo, mas quase sempre com logística desastrosa.

Um terceiro protagonista, Gabriel Leone, que faz Anatol, se sai melhor do que o seu personagem —vaidoso, oportunista, desrespeitoso— indica. A paixão que arranca de Natasha, em duetos emocionantes, quase mágicos, é também dele. A repulsa que provoca é vencida por um sorriso e uma dor que vão além do papel.

Mas a melhor cena, uma celebração da Rússia, é a protagonizada pelo cocheiro de Anatol, Balaga (Vitor Moresco). Comandado por ele, a passos violentos, o elenco inteiro transmite um vigor que parece arriscar fisicamente tanto os atores como os espectadores.

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Zé Henrique de Paula rompe naturalismo e tira o melhor de Arthur Miller https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/08/10/ze-henrique-de-paula-rompe-naturalismo-e-tira-o-melhor-de-arthur-miller/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/08/10/ze-henrique-de-paula-rompe-naturalismo-e-tira-o-melhor-de-arthur-miller/#respond Fri, 10 Aug 2018 05:00:19 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/VY8A4867-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17113 Um Panorama Visto da Ponte
★★★★
Teatro Raul Cortez, r. Dr. Plínio Barreto, 285. Sex., às 21h30, sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 25/11. Ingr.: R$ 80 (em ingressorapido.com.br). 14 anos

O que envolve aos poucos o espectador neste “Um Panorama Visto da Ponte” é a engenhosidade da trama e a robustez dos conflitos e temas levantados na montagem de Zé Henrique de Paula para a peça do americano Arthur Miller (1915-2005).

Desde “Urinal”, que foi a comprovação de sua habilidade como encenador, Paula se tornou um favorito de atores-produtores para a direção de peças estrangeiras de qualidade —como no também denso “O Pacto”, musical de câmara que faz curta temporada em São Paulo.

No caso de “Um Panorama Visto da Ponte”, o domínio da chamada carpintaria —a escritura teatral— por Miller é explorado intensamente.

O texto expõe a degradação das relações pessoais no ambiente de desemprego e miséria, como nas peças de Tennessee Williams ou nos filmes de Elia Kazan, também nos Estados Unidos do pós-guerra.

É sobre a vida no entorno das docas do Brooklyn, como vista por quem olha da ponte de mesmo nome, à distância, para o bairro então miserável de Red Hook —agora em estado avançado de gentrificação, com restaurantes, lojas e turistas apagando os miseráveis de Miller. O lugar onde tudo se passa poderia ser descrito como um cortiço ou até um barraco de favela.

Miller segura o mais que pode os confrontos físicos e as tensões sexuais, que parecem estar sempre em preparação, perto de acontecer, confundindo seguidamente o público. Paula faz o mesmo, segue as indicações e prepara diligentemente as armadilhas para o espectador.

Dito isso, algumas questões levantadas podem soar datadas, de um naturalismo próprio dos anos 1950, que se batia contra uma moralidade hoje esgarçada. Mas mesmo quando isso acontece o texto qualificado garante o interesse, no mínimo, pelo embate de desejos, de interesses.

Uma outra qualidade de Paula, como já se viu antes no policial de “Urinal” e outros, mas mais pronunciada agora, está na interpretação que adota, reforçando a quebra do naturalismo, com um acento nos gestos moldados, artificiais, para se contrapor às afetações realistas de Miller.

Os atores escapam assim dos clichês de Marlon Brando e semelhantes, embora para alguns deles em “Panorama”, mais inexperientes, o formalismo da atuação se torne por vezes pesado.

O cenário com contêineres não é especialmente imaginativo, embora reflita a brutalidade, sobretudo de Eddie, o protagonista. O mesmo se pode dizer dos figurinos, com a onipresente camiseta regata, nos Estados Unidos chamada comumente —e ofensivamente— de “wife beater”, agressor de esposa.

O melhor está mesmo nas atuações e no texto. E o impacto emocional maior, inevitavelmente, é com Sérgio Mamberti, que faz o advogado que narra a tragédia anunciada, tenta intervir para evitá-la e se comove por fim com ela, prostrado, impotente.

Rodrigo Lombardi mostra firmeza com o vaivém de seu contraditório, vulnerável e por fim desesperado Eddie.

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Na encenação de ‘1984’, o Grande Irmão é também o espectador https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/na-encenacao-de-1984-o-grande-irmao-e-tambem-o-espectador/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/06/07/na-encenacao-de-1984-o-grande-irmao-e-tambem-o-espectador/#respond Fri, 08 Jun 2018 01:04:08 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/1984lenise-320x213.jpg http://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=16948 1984
★★★★
Sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h, no Sesc Consolação, r. Dr. Vila Nova, 245. Ing.: R$ 12 a R$ 40. Até 8/7. 14 anos.

Levando ao extremo aquilo que o próprio original insinuava, a peça “1984”, em cartaz no Teatro Sesc Anchieta, dissolve a possibilidade de achar um vilão —fora de nós mesmos— para a realidade distópica contemporânea.

O pouco que restava de eco romântico na obra célebre do também inglês George Orwell, publicada em 1949, já ecoando negativamente “Nós”, do russo Yevgeny Zamyatin, de 1921, parece se perder de vez.

A montagem faz desacreditar do protagonista, Winston Smith, de seu relato, num acúmulo de questionamentos dos fatos, do que teria realmente ocorrido, espelhando a chamada pós-verdade atual.

O desmonte generalizado da realidade já estava presente na produção londrina, adaptada há quatro anos pelos autores/diretores Robert Icke e Duncan Macmillan, mas surge acentuado pelo diretor Zé Henrique de Paula.

Como os personagens, o público é levado a “duplipensar”, a embarcar em narrativas conflitantes, num vaivém extenuante, até não acreditar em nada —destruindo a “suspensão de descrença” que seria característica do teatro.

Um dos fios que se rompem desde logo é a suposta paixão de Winston por Júlia. A exemplo da montagem londrina, a brasileira isola as cenas românticas em vídeos, num realismo de “reality show”.

Zé Henrique de Paula acentua uma impressão que o espectador já tinha diante da produção original, de que o público é, ele também, parte do Grande Irmão que assiste, vigia e oprime o casal em seu idílio inconvincente.

Nos vídeos, os atores Rodrigo Caetano (Winston) e Gabriela Fontana (Júlia) surgem falsamente bonitos, a exemplo do que acontece com personagens como Goldstein (Rodrigo Lombardi) e o Criminoso (Bruno Fagundes).

Uma diferença grande entre as montagens é que, enquanto a londrina ressoava as revelações de Chelsea Manning sobre vigilância digital global, a brasileira remete ao Big Brother da televisão e às “fake news”.

Repete-se assim o fenômeno que envolve o romance de Orwell, que desde a sua publicação parece responder topicamente às diferentes formas que a opressão vai tomando, a cada novo flagrante histórico.

Dito tudo isso, a confusão do público ao longo da apresentação, com seus vários ambientes e tempos, inspirados em parte pelo apêndice do livro sobre “os princípios da novafala”, escritos no futuro, provoca distração, dispersão.

Sua desordenação, com “dimensões” contraditórias ao mesmo tempo no palco, é característica já da adaptação de Icke e Macmillan, mas não é uma qualidade, não para todos os públicos —e podia ter sido atenuada na encenação.

Em momentos, como no terço final, o alheamento diminui, em parte pela inter-relação e pelas boas atuações de Caetano e de seu algoz ou mentor, O’Brien (Carmo Dalla Vecchia), mas também pelo fascínio contemporâneo da ultraviolência.

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