Cacilda https://cacilda.blogfolha.uol.com.br Blog de teatro Mon, 29 Nov 2021 21:38:57 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 ‘Roda Viva’ vai da TV para o smartphone, mas o Brasil repete a história https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/12/28/roda-viva-troca-tv-por-smartphone-mas-o-brasil-repete-a-historia/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/12/28/roda-viva-troca-tv-por-smartphone-mas-o-brasil-repete-a-historia/#respond Fri, 28 Dec 2018 04:30:17 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/IMG_6524-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17933 Roda Viva

Teatro Oficina – rua Jaceguai, 520, Bela Vista, tel. (11) 3104-0678. Sex. e sáb., às 20h; dom., às 19h. Até 10/2. Sessão especial na véspera de Ano Novo (segunda, 31/12), às 20h. R$ 60 (inteira)

O musical de Chico Buarque continua tendo muito a desvendar da indústria cultural contemporânea, no sentido de construção midiática do ídolo, de como o mito se embebeda na adoração mediada.

O vínculo original era com a televisão, o popstar era criado e idolatrado nos programas da Record, nos festivais que aconteciam no teatro Paramount, hoje Renault, a duas ou três quadras do Oficina.

Era resultado da linha de montagem da indústria fonográfica e da propaganda emergente no país, por exemplo, com a formatação da Jovem Guarda, inclusive o nome, pelo publicitário Carlito Maia.

Agora o ídolo como alegoria, na peça como fora dela, não é bem o cantor popular, não é nem mesmo artista. Está mais para um político cercado pelas mesmas irracionalidade, manipulação, veneração.

A nova montagem consegue antes de mais nada fazer essa passagem do que era até cenograficamente o universo do televisor para o que é hoje o smartphone, com internet ou, melhor, mídia social.

Além da trama, outro aspecto que traz o musical criado em 1967/8 por Chico e Zé Celso para o presente está nas próprias canções, nas suas letras, a começar da composição-título, “Roda Viva”.

Como então, também agora chega a roda-viva e “carrega o destino pra lá”. Mas o diretor não é de se entregar e sua remontagem coloca a roda-viva na mão de todos, não só dos militares, de novo.

A atualidade da crítica e resistência ao sufocamento também está nas canções, daí “Roda Viva” funcionar tão bem, assim como o dueto de “Sem Fantasia”, cantadas ambas em coro com o público.

Na música, o espetáculo ganha ainda com o acréscimo de “As Caravanas”, como que para confirmar que o país, passado meio século, não mudou e não quer mudar no que importa, seu apartheid.

“Roda Viva” está na origem do Oficina como o conhecemos nas últimas duas para três décadas, de retomada. O público atual acompanha e consegue apreciar com encantamento o que está em cena.

Mas, é claro, tudo se inclina mais para Dionísio que para Apolo, ainda que outra canção usada –quase um hino do Oficina, de Zé Miguel Wisnik– lembre tratar-se de um “templo de Apolo erguido a Dionísio”.

O andamento do musical é por vezes caótico, nada apolíneo, e isso se reflete pontualmente numa voz que mostra alcance mas não se sustenta ou num movimento que não chega a se firmar como gesto.

O protagonista de “Roda Viva“, como Zé Celso enfatiza a cada entrevista, é o coro, que conta com vários destaques, sem formar porém um corpo único como aquele, considerado histórico, de 1968.

O coro de 2018 espelha melhor, quem sabe, o Brasil agora, ainda pasmo e dividido, como de resto todo o mundo, diante da ascensão dos discursos de ódio, da exaltação da força e até da tortura.

A sombra opressora que cresce hoje, parodiada no personagem central e nas caricaturas musicais que vão surgindo, com grande efeito, não têm ainda um contraponto claro, antagonista, no teatro ou fora dele.

No fundo, a resposta parece ser o próprio Oficina. A apresentação vista, no dia 23, foi em memória do irmão de Zé Celso, o também diretor Luís Antônio Martinez Corrêa, e foi especialmente tocante.

Celebrou o teatro, os artistas, as revoluções sociais e políticas que o Oficina encarna desde os anos 1960 e são o alvo preferencial, também alegórico, nestes tempos que se anunciam.

]]>
0
‘Boom!’ celebra teatro musical e anuncia o melhor do compositor de ‘Rent’ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/11/06/boom-celebra-teatro-musical-e-anuncia-o-melhor-do-compositor-de-rent/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/11/06/boom-celebra-teatro-musical-e-anuncia-o-melhor-do-compositor-de-rent/#respond Tue, 06 Nov 2018 10:00:10 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/I2K2432-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17535 Tick, Tick… Boom!
★★★
Teatro Faap, r. Alagoas, 903. Ter. e qua., às 21h. Até 12/12. R$ 60 a R$ 90. Classificação 12 anos.

A história é muito simples, mas bem costurada, as canções são de qualidade. Percebe-se logo por que Lin-Manuel Miranda, o criador do festejado “Hamilton”, resolveu transformar “Tick, Tick… Boom!” em filme.

O pequeno musical, que estreou formalmente em 2001, mas nasceu no palco como “monólogo rock” em 1990, parece estar sempre a um passo de “Rent” —o musical posterior e histórico de Jonathan Larson (1960-96), sobre o impacto da Aids numa comunidade de artistas.

Remete em parte aos mesmos tópicos e ritmos. De certa maneira, anuncia “Rent”, explorando a própria vida de Larson numa Nova York de quitinetes, da boêmia teatral que o cercou até morrer cedo, tornando sua trajetória tão romântica.

É quase uma trama de chegada à maturidade, “coming of age”, no caso, de alcance da vida plena como artista. E as suas primeiras composições já prometem, sobretudo aquelas que sobrepõem duas ou as três vozes.

Para tanto, conta com versões sonora e tematicamente precisas das letras, como é raro ouvir no teatro musical brasileiro, talvez por terem sido feitas pelos próprios atores Bruno Narchi e Thiago Machado.

A encenação se concentra no trio de intérpretes e nos quatro integrantes da banda. Não é produção de recursos para cenários etc., mas no que investe, ou seja, em seu foco nos atores e na música, o saldo é palpável.

A banda, com os solos de guitarra de Thiago Lima e a regência teatralmente atenta do tecladista Jorge de Godoy, responde à altura dos sonhos roqueiro-musicais de Larson.

No elenco, na apresentação que se viu, o início titubeante logo fica para trás e os três oferecem cenas memoráveis dos bastidores e das aflições do teatro, que são também deles, que vêm se firmando na cena musical.

Narchi e Machado, na sala mais intimista da Faap, dirigidos em interpretação e voz por Leopoldo Pacheco e Bel Gomes, mostram o quanto amadureceram e são capazes de se deixar arrebatar.

O resultado são quadros em que o elenco vai ao limite, cômica ou dramaticamente, de seus papéis e da trilha. Um deles, em que os três cantam juntos (“Sugar”, no original), é particularmente bem-sucedido, com Machado em estado de graça.

Mas o ápice da apresentação, com aquela que é obviamente sua melhor canção (“Come to Your Senses”), é tirado do próprio musical que o protagonista está compondo, no enredo.

Giulia Nadruz tem uma voz de calar o ambiente, com emoção, alcance, domínio. É especial, de cortar a respiração do espectador.

Mas “Boom!”, com todas as suas qualidades, deixa então um vazio. O que vem à mente, ao sair, é o que mais haveria de joia oculta em “Superbia”. É o nome do musical anterior e esquecido de Larson, que o célebre compositor Stephen Sondheim tanto elogiou e jamais foi montado —a não ser pela música cantada por Giulia.

]]>
0
O passado não morre, avisa Voltaire de Souza, sobre Bolsonaro (e Lula) https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/10/24/o-passado-nao-morre-avisa-voltaire-de-souza-sobre-bolsonaro-e-lula/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/10/24/o-passado-nao-morre-avisa-voltaire-de-souza-sobre-bolsonaro-e-lula/#respond Wed, 24 Oct 2018 21:43:50 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/piornaofica-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17453 Não é a primeira vez que Voltaire de Souza, o cronista que estreou há mais de duas décadas no Notícias Populares, vai parar no palco.

Na primeira, em 2007, eram personagens seus do cotidiano da cidade, como Elpídio, mas não eram seus textos, suas palavras. O espetáculo, que partia de improvisações, não trazia o aspecto mais singular de sua produção diária —que, extinto o NP, prossegue hoje no também popular Agora.

Pode-se dizer que desta vez, de fato, é a sua estreia como autor no palco. E funciona. A escrita de Voltaire de Souza se integra plenamente ao teatro, pelo que se viu na leitura dramática de “Pior Não Fica!”, dois domingos atrás, no teatro Satyros 1.

O grupo, chamado Os ZZZlots, tem feito apresentações esporádicas, testando as pequenas crônicas com o público, como esquetes. Elas retratariam aquilo que acontece ou é falado na cidade, em bairros populares, sobre o país, a política, esporte, comportamento.

Os textos abrem com anúncios retumbantes, três expressões genéricas que parecem tiradas das manchetes (Um exemplo recente, sobre as eleições: Tensão. Nervosismo. Ansiedade.); e se segue um diálogo curto e irônico, terminando numa tirada à maneira de Nelson Rodrigues, uma moral torta da história.

O resultado, como nas peças de Rodrigues ou de Oswald de Andrade, por sua vez devedoras de comediógrafos populares como Joracy Camargo, é um humor eficiente, de “one-liners”, frases cortantes. Não são piadas, mas ironias, com realismo e uma certa resignação.

Quando surgiu no NP, Voltaire de Souza se inspirou nas crônicas de Rodrigues, publicadas por uma década na coluna A Vida como Ela É, ao longo dos anos 50 e início dos 60, no Última Hora —o jornal, curiosamente, que o NP foi lançado para combater. Inspirou-se também nos microcontos de Dalton Trevisan, que é possível conhecer no livro “Ah, É?”.

Voltaire é mais extenso e menos sério do que o paranaense Trevisan; e é mais telegráfico e menos descritivo do que o pernambucano-carioca Rodrigues no UH. O espírito de ambos está nos textos até hoje, não só na forma dos pequenos diálogos, mas sobretudo nos temas e no ambiente que retrata.

Mas se algo se firmou, decantou ao longo dessas décadas, como as apresentações confirmam, é que há mais de Rodrigues do que Trevisan no humor teatral de Voltaire. Talvez o que falte nele, a partir daí, seja escrever uma peça por inteiro para, como o dramaturgo-jornalista, enfrentar a tragicomédia brasileira.

Na apresentação vista, com uma encenação que remete a radioteatro, inclusive sonoplastia e locução, não faltou Jair Bolsonaro, na esquete “O Passado Não Morre”:

Impasse. Incerteza. Confusão.
É a política brasileira.
Bruno estava na dúvida.
— Sou gay. Será que posso votar em Bolsonaro?
O candidato é polêmico.
— Tudo bem que ele não gosta da gente…
Bruno queria chorar.
— Mas eu gosto dele, pô.
Os amigos desprezavam.
— Otário.
Bruno se sentia sozinho.
— Será que eu sou o único?
A raiva chegou no quarto chope.
— Discriminado por ser gay. E por votar no Bolsonaro.
Melhor ir para casa. O sono chegou rapidinho.
Veio a visão. Um homem apareceu no quarto.
Alinhado. Simpático. Olhos azuis.
— Papai?
O falecido sr. Cotrim nunca tinha aceitado a sexualidade de Bruno.
— Vota no Bolsonaro. Que eu te perdoo tudo, meu filho.
Bruno já se sente até um pouco mais macho.
Os fantasmas do passado, por vezes, dão o seu recado.

Também não faltou Elpídio, esperançoso com Lula, em “Ele Vai Voltar”:

Desânimo. Revolta. Perplexidade.
É o sentimento da esquerda.
Lula na prisão.
No seu pequeno apartamento em Santa Cecília, Elpídio acompanhava os fatos.
— Isso não tem muita importância.
Ele não perdia a esperança.
— O povo unido jamais será vencido.
O conhaque reforçava suas convicções.
— Querem prender? É?
Ele deu um risinho.
Certeza total.
— Ele volta.
A tarde caía docemente sobre a metrópole paulista.
Do alto da sacada, Elpídio deu seu brado de fé.
— Ele vai voltar!
Uma nuvem rosa se esfiapava no horizonte.
— Ele voltará!
Os raios de sol filtravam-se numa paisagem bíblica.
— Ele voltará!
Do andar térreo, responderam a Elpídio.
— Aleluia, irmão.
Era o culto do Pastor Juvêncio Maganoni.
— Jesus já vem.
A verdade é como uma grande hóstia.
Engole quem quer.

Para quem ainda não sabe e quer descobrir quem é, afinal, Voltaire de Souza, leia no Agora.

]]>
0
‘Elza’ celebra a voz de louva-a-deus e a rebeldia de Elza Soares https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/elza-celebra-a-voz-de-louva-a-deus-e-a-rebeldia-de-elza-soares/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/10/22/elza-celebra-a-voz-de-louva-a-deus-e-a-rebeldia-de-elza-soares/#respond Mon, 22 Oct 2018 04:00:17 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/elza-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17445 Elza
★★★★★
Sesc Pinheiros, r. Paes Leme, 195. De qui. a sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 18/11. Ingr.: R$ 15 a R$ 50. 14 anos.

 

O primeiro impacto de “Elza” é com as vozes das sete atrizes-cantoras, de timbres diversos, mas compondo um quadro à altura daquela que dá nome à peça. Na apresentação, a própria Elza Soares estava na primeira fileira e ao final saudou suas vozes, elas que choravam quase todas, no palco.

Quadros inteiros do espetáculo falam disso, de sua voz. Como escreve o dramaturgo Vinicius Calderoni no programa, a peça se passa na garganta de Elza.

Das sete, aquela mais próxima é a baiana Larissa Luz, convidada especialmente e que está no centro da representação da mítica cantora no palco. Não só pela garganta, pela voz de louva-a-deus, mas pela própria representação física, os gestos, o retrato da paixão e da revolta, é quem incorpora Elza.

Mas todas o fazem, de um jeito ou de outro, o que é uma das facetas que tornam o espetáculo tão singular na vertente dos musicais biográficos nacionais.

As atrizes de diversas partes do país, de Minas ao Rio Grande do Norte, têm todas os seus solos, de brilho extravagante. Não reproduzem, mas como que partem de Elza para viagens individuais.

Kesa Estácio, por exemplo, faz uma interpretação de “Dindi” que poucos conseguiriam imaginar. Laís Lacôrte se agiganta não apenas solando, mas em quadros nos quais sua voz surge ao fundo, em lamento pungente.

Entre as muitas cenas que arrebatam o público, levantando-se em rebelião ou se desfazendo em pranto, uma das mais inusitadas é aquela em que Guta Menezes deixa o espaço da banda e vem à boca de cena, também ela para um solo que expressa Elza.

Para além das vozes e da banda, talvez o impacto maior seja o diálogo que “Elza” alcança com a situação política presente. Muito do que Elza Soares enfrentou não é diferente do que se anuncia agora para o país.

Assim, cada nova cena é potencializada, ganha força, por exemplo, quando ela se vê atingida por comentário racista numa gravação. A personagem, sua própria trajetória, se ergue como mito de resistência. A emoção das atrizes no final, diante dela, foi em grande parte derivada disso, do que a cantora representa.

Há momentos em que “Elza” entra no relato linear, biográfico, porque é isso o que se tem —sua biografia. A diferença é que, no caso, é uma trilha de obstáculos monumentais e ainda vivos.

E o retrato da mulher negra vai além da superfície política. A relação da personagem com o pai, com Mané Garrincha e com o filho que perde, seus três homens, é o fio que puxa a trama emocional, e as tragédias deles são as suas.

É um musical com letras e diálogos emocionalmente carregados. Com passagens como o casamento forçado aos 12, a proclamação de sua origem como “planeta fome” para Ary Barroso, o alcoolismo e a violência de Garrincha, a morte do filho.

E tudo culmina em duas canções recentes, em apoteose de rebeldia, “A Carne” e “Mulher do Fim do Mundo”, confirmando aquilo que é pronunciado ao longo do texto, de que Elza renasce todo dia. O que aconteceu era só ensaio para o agora.

]]>
0
Guilherme Leme mergulha ‘Romeu e Julieta’ no pop e escapa com vida https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/09/09/guilherme-leme-mergulha-romeu-e-julieta-no-pop-e-escapa-com-vida/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/09/09/guilherme-leme-mergulha-romeu-e-julieta-no-pop-e-escapa-com-vida/#respond Mon, 10 Sep 2018 01:19:16 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/09/romeuejulieta-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17182 Romeu + Julieta – Ao Som de Marisa Monte
★★★★
Teatro Frei Caneca. R. Frei Caneca, 569. Sex., às 20h30; sáb., às 16h e 20h; dom., às 19h. Até 21/10. R$ 75 a R$ 200

A encenação se inspira, como evidencia o próprio nome-marca que adota, em “Romeo + Juliet”, um dos melhores filmes de Baz Luhrmann e talvez a versão contemporânea mais bem-sucedida, ao menos em aceitação do público, de Shakespeare.

A ideia é reunir música pop —bandas como Cardigans e Radiohead no caso do filme de 1996, Marisa Monte no musical brasileiro— com alguns dos diálogos, das falas mais emblemáticas da tragédia.

O resultado, como no filme, é desigual, por vezes levando a peça a perder ritmo. A trama original, das mais envolventes de Shakespeare, precisa ceder lugar às canções do “universo” da cantora —e, mais do que acontecia no filme, nem todas fazem sentido. Algumas letras têm enredo conflitante.

De qualquer maneira, o musical alcança seu intento de aproximar mais a peça do público brasileiro, ainda que muito cortada, inclusive cenas que o filme havia mantido.

Um dos trunfos deste “Romeu + Julieta” é a protagonista Bárbara Sut, sobretudo pela voz, pela interpretação das canções. Ela escapa com vida da comparação inevitável com a cantora: é também tocante e de timbre semelhante e ao mesmo tempo explora variantes próprias para os hits.

No papel de Julieta, poderia buscar maior diversidade de interpretação, de início concentrada em uma alegria infantil, posteriormente se voltando por inteira para lágrimas e drama.

É eficiente em ambos, mas sem aproveitar a fundo as alternâncias e a perspicácia que o próprio texto sugere para a personagem. O autor abraçava um teatro popular e variado, em que a tragédia e a comédia, mesmo neste que teria sido um de seus primeiros textos, conviviam a cada cena.

O Romeu de Thiago Machado consegue maior equilíbrio entre interpretação musical e atuação, ainda que sem o carisma da coprotagonista —e ainda que seu personagem seja sabidamente mais restrito.

Mas o principal é que a dupla, o jovem casal, tem o que se costuma chamar de química e convence em sua paixão juvenil, algo descontrolada, quase um autoengano, que é o coração da peça —em contraste com a divisão política de suas famílias, que corrói a cidade-estado de Verona.

Outros desempenhos são especialmente felizes, caso da ama de Stella Maria Rodrigues, que se sai bem na porção musical e, pelo humor, conquista o espectador desde seu primeiro passo no palco.

É mais engraçada e inteligente do que costuma acontecer com a personagem noutras montagens contemporâneas. É possível ver nela um pouco da colaboração artística de Vera Holtz na produção, mas é principalmente o timing, o vaivém surpreendente que Stella consegue no papel o que a faz sobressair tanto.

O frei Lourenço de Glaudio Galvan também é engraçado como requer seu personagem, mas é dele o quadro mais forte, propriamente musical, que fecha o primeiro ato.

É o casamento de Romeu e Julieta, que ele sagra cantando a música “Vilarejo”, uma das tantas letras que pouco têm a ver com a cena, mas nesse caso não importa. Tanto a mise-en-scène criada por Guilherme Leme como a direção musical de Galvan e do coro por Apollo Nove alcançam aos poucos um sentimento de graça, marcadamente religioso.

Elementos de cenário, figurino e iluminação, tanto nessa cena como naquela da despedida de Romeu e Julieta, compõem imagens de impacto, contrastando as torres de pedra com os corpos dos dois protagonistas —e os panos e focos de luz que os estendem.

As cenas confirmam o êxito buscado por Leme com colaboradores da qualidade de Holtz e da cenógrafa Daniela Thomas, do figurinista João Pimenta, da iluminadora Monique Gardenberg e do adaptador Gustavo Gasparini.

Como confirma a casa lotada, o musical é de apelo popular, devido em parte aos hits de Marisa Monte, mas também ou principalmente ao original, como reencontrado pelo diretor.

]]>
0
Zé Henrique de Paula rompe naturalismo e tira o melhor de Arthur Miller https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/08/10/ze-henrique-de-paula-rompe-naturalismo-e-tira-o-melhor-de-arthur-miller/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/08/10/ze-henrique-de-paula-rompe-naturalismo-e-tira-o-melhor-de-arthur-miller/#respond Fri, 10 Aug 2018 05:00:19 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/VY8A4867-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17113 Um Panorama Visto da Ponte
★★★★
Teatro Raul Cortez, r. Dr. Plínio Barreto, 285. Sex., às 21h30, sáb., às 21h, dom., às 18h. Até 25/11. Ingr.: R$ 80 (em ingressorapido.com.br). 14 anos

O que envolve aos poucos o espectador neste “Um Panorama Visto da Ponte” é a engenhosidade da trama e a robustez dos conflitos e temas levantados na montagem de Zé Henrique de Paula para a peça do americano Arthur Miller (1915-2005).

Desde “Urinal”, que foi a comprovação de sua habilidade como encenador, Paula se tornou um favorito de atores-produtores para a direção de peças estrangeiras de qualidade —como no também denso “O Pacto”, musical de câmara que faz curta temporada em São Paulo.

No caso de “Um Panorama Visto da Ponte”, o domínio da chamada carpintaria —a escritura teatral— por Miller é explorado intensamente.

O texto expõe a degradação das relações pessoais no ambiente de desemprego e miséria, como nas peças de Tennessee Williams ou nos filmes de Elia Kazan, também nos Estados Unidos do pós-guerra.

É sobre a vida no entorno das docas do Brooklyn, como vista por quem olha da ponte de mesmo nome, à distância, para o bairro então miserável de Red Hook —agora em estado avançado de gentrificação, com restaurantes, lojas e turistas apagando os miseráveis de Miller. O lugar onde tudo se passa poderia ser descrito como um cortiço ou até um barraco de favela.

Miller segura o mais que pode os confrontos físicos e as tensões sexuais, que parecem estar sempre em preparação, perto de acontecer, confundindo seguidamente o público. Paula faz o mesmo, segue as indicações e prepara diligentemente as armadilhas para o espectador.

Dito isso, algumas questões levantadas podem soar datadas, de um naturalismo próprio dos anos 1950, que se batia contra uma moralidade hoje esgarçada. Mas mesmo quando isso acontece o texto qualificado garante o interesse, no mínimo, pelo embate de desejos, de interesses.

Uma outra qualidade de Paula, como já se viu antes no policial de “Urinal” e outros, mas mais pronunciada agora, está na interpretação que adota, reforçando a quebra do naturalismo, com um acento nos gestos moldados, artificiais, para se contrapor às afetações realistas de Miller.

Os atores escapam assim dos clichês de Marlon Brando e semelhantes, embora para alguns deles em “Panorama”, mais inexperientes, o formalismo da atuação se torne por vezes pesado.

O cenário com contêineres não é especialmente imaginativo, embora reflita a brutalidade, sobretudo de Eddie, o protagonista. O mesmo se pode dizer dos figurinos, com a onipresente camiseta regata, nos Estados Unidos chamada comumente —e ofensivamente— de “wife beater”, agressor de esposa.

O melhor está mesmo nas atuações e no texto. E o impacto emocional maior, inevitavelmente, é com Sérgio Mamberti, que faz o advogado que narra a tragédia anunciada, tenta intervir para evitá-la e se comove por fim com ela, prostrado, impotente.

Rodrigo Lombardi mostra firmeza com o vaivém de seu contraditório, vulnerável e por fim desesperado Eddie.

]]>
0
Abundante, ‘Ítaca’ abre a cortina para as guerras contemporâneas https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/07/27/abundante-itaca-abre-a-cortina-para-as-guerras-contemporaneas/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/07/27/abundante-itaca-abre-a-cortina-para-as-guerras-contemporaneas/#respond Fri, 27 Jul 2018 20:06:07 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/itacaodisseia-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17083 Ítaca – Nossa Odisseia
★★★★★
Sesc Consolação – Ginásio Verde (2º andar), r. Dr. Vila Nova, 245, São Paulo. Qui. a sáb., às 20h30; dom., às 18h30. Até 5/8. R$ 15 a R$ 50. 16 anos

Como reafirma “Ítaca – Nossa Odisseia”, o teatro de Christiane Jatahy vai muito além da ligação com cinema, que é o que se costuma enfatizar. Os experimentos em dramaturgia são até maiores do que a opção formal por usar vídeo.

E na verdade, para começar por aí, o próprio recurso à imagem reproduzida é dinâmico, integrado, jamais externo à cena. Isso tanto na captação pelas câmeras, agora na mão dos atores, quanto em sua projeção na tela/cortina que domina magnificamente o cenário.

Também a dramaturgia se construiu conjuntamente, não enxertada à encenação. O texto foi editado pela diretora a partir de improvisações dos atores e depoimentos de refugiados, além do poema épico de Homero.

Duas passagens do clássico são destacadas para compor os dois “lados” da peça: Penélope com os pretendentes, em Ítaca, e Ulisses “a caminho de Ítaca”, preso a Calipso.

Em ambos os lados, daí o complemento “Nossa Odisseia”, o espetáculo se volta à oposição de homens e mulheres hoje. E em ambos o olhar é sobretudo aquele da mulher, como Penélope esperando Ulisses ou Calipso tentando não perdê-lo.

É “Nossa Odisseia” também porque é do Brasil que se trata, como explicitado nas falas do lado de Penélope. Um dos pretendentes fala grosseiramente da personagem, que remete nesse início à ex-presidente Dilma Rousseff:

“Ela chora enquanto o país afunda. Fica tecendo histórias sobre nós, mas na verdade gosta que a gente viole esta casa… Podemos votar a tua destituição… Vai melhorar! Depois das eleições!”. O público ri, até a ameaça de violação se cumprir.

No outro lado, de Ulisses com Calipso, o que se tem não é esse homem abusador, mas o homem recusando a mulher, querendo abandoná-la.
Em tempo: no espaço bi-frontal, metade do público vê uma das cenas, metade outra, até trocarem de lado e tudo recomeçar —no final, sobem as cortinas e os dois lados se integram.

Na apresentação, sons de um lado vazam para o outro, com falas que ecoam mais, como esta de Calipso, ao que parece expressa duas vezes: “A guerra não é declarada, ela é permanente”.

Como se percebe logo, Jatahy empreende um acúmulo de camadas de significado e forma. A riqueza barroca de elementos que vai introduzindo lembra a escrita de Shakespeare ou as encenações de Zé Celso e Antonio Araújo.

A proximidade que alcança quando trata de homens e mulheres ou do Brasil não se reproduz, no entanto, quando a questão se volta mais diretamente aos refugiados. É sobretudo quando os lados se juntam, ligados por água —como o mar Mediterrâneo que os imigrantes africanos e árabes tentam atravessar e no qual tantos morrem.

Os conflitos se multiplicam, ouvem-se até palavras em árabe, mas a experiência e a compreensão do público brasileiro sobre a tragédia dos refugiados é diferente daquela dos europeus —franceses e portugueses— que viram o espetáculo anteriormente.

De todo modo, os depoimentos lidos ou representados, dos imigrantes entrevistados para a peça, são pungentes por si, por mais que sua tragédia possa ser percebida aqui como distante.

Vistas na estreia, com mudanças de elenco e cenário reconstruído, as três partes desta “Ítaca – Nossa Odisseia” por vezes se alongaram, perderam ritmo, mas o resultado foi abundante, a ser assimilado e maturado aos poucos na produção local.

Um elemento que volta à mente sem parar são as cortinas, que servem de “muro” a separar alegoricamente os muitos lados em conflito na cena. Quando elas se levantam, a guerra é aberta e desesperada. A execução técnica parece ser complexa, mas a imagem não poderia ser mais singela e afiada.

]]>
0
‘Zeca Pagodinho’, mais que teatro, faz samba-exaltação https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/07/20/zeca-pagodinho-mais-que-teatro-faz-samba-exaltacao/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/07/20/zeca-pagodinho-mais-que-teatro-faz-samba-exaltacao/#respond Fri, 20 Jul 2018 13:27:06 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/07/VY8A3554-320x213.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17065 Zeca Pagodinho – Uma História de Amor ao Samba
★★★
Teatro Procópio Ferreira – rua Augusta, 2.823, tel. (11) 3083-4475, São Paulo. Qui. e sex., às 21h; sáb., às 17h e às 21h; dom., às 17h. Até 5/8. R$ 40 a R$ 80. 12 anos

O problema flagrante do espetáculo é que não se trata de um personagem, não se trata propriamente de teatro, mas de um samba-exaltação, de um musical feito para celebrar um herói sem falhas. Ele talvez seja de fato um ser humano próximo da perfeição, mas é preciso mais do que isso para se tornar personagem de teatro.

Por exemplo, ao tratar de alcoolismo, o fato ou a lenda de que bebe demais é abordado como brincadeira, mais um traço de seu caráter insubordinado. Uma década atrás, até um papel de telenovela inspirado nele, Zé da Feira, conseguia ser mais questionador e aprofundar minimamente o impacto do alcoolismo.

Se o objetivo era erguer uma fábula, como expresso pelo autor, diretor e protagonista Gustavo Gasparani, essa é uma lição de moral que se perde pelo caminho. O resultado é em grande parte um espetáculo que engaja pouco, uma trama sem quedas, sem incertezas, que foge ao menor sinal de conflito.

Samba-exaltação é um gênero de música que nasce no Estado Novo, para cantar maravilhas de fachada. E a moral da história, em “Uma História de Amor ao Samba”, é que embora viva na Barra da Tijuca —porque, garante o texto, é um pai de família que prioriza o estudo dos filhos— ele volta sempre que pode a Xerém, onde já morou.

Ou seja, é preciso seguir o exemplo de sucesso e respeitar as suas raízes, organizar rodas de samba, não se vender. Mas o resultado cênico da lição é que Xerém, na Baixada Fluminense, acaba retratado como o Rio de Janeiro edênico dos sambas-exaltação de Ary Barroso.

Registre-se por outro lado que, com artistas qualificados na produção, o espetáculo consegue evitar algumas das piores armadilhas dos musicais de linha parecida.

Por exemplo, opta claramente por não explorar a figura da mulata. As mulheres estão no palco para atuar, cantar, algumas com performances encantadoras, e não para figuração de turista.

Nessa trilha, a interpretação e execução das canções e a própria caracterização do protagonista, tanto jovem, por Peter Brandão, como mais velho, por Gasparani, estão matizadas, com uma complexidade que a trama em si não contém ou incentiva.

A começar da adoção de uma dupla cômica vestida de Cosme e Damião para os números de cortina, o musical remete à estrutura frágil do teatro de revista. As piadas que têm para contar não são das melhores, mas Hugo Kerth e Édio Rodrigues saem-se bem na função, costurando com graça e cumplicidade os quadros musicais.

Vindo de temporada no Rio, “Uma História de Amor ao Samba” chega com ritmo, com cenas amadurecidas o quanto podiam. Mas é preciso ser fã, conhecedor até das letras menos festejadas, para embarcar neste show.

]]>
0
Dirigida por André Paes Leme, premiada ‘Agosto’ ganha ironia e velocidade https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/07/19/dirigida-por-andre-paes-leme-premiada-agosto-ganha-ironia-e-velocidade/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/07/19/dirigida-por-andre-paes-leme-premiada-agosto-ganha-ironia-e-velocidade/#respond Thu, 19 Jul 2018 04:06:15 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/02/VY8A4193-150x150.jpg https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=17049 Agosto
★★★★★
Sesc Consolação – Teatro Anchieta, r. Doutor Vila Nova, 245. Qui. a sáb.: 21h, dom.: 18h; até 5/8. R$ 12 a R$ 40. 16 anos.

Na versão adaptada e dirigida por André Paes Leme, a partir do texto premiado de Tracy Letts, “Agosto” é muito diferente daquele espetáculo da companhia Steppenwolf, de Chicago, que dominou a Broadway uma década atrás.

Era então um drama familiar angustiante, opressivo, na linhagem realista americana. Mas Letts, já então conhecido como autor de “Killer Joe”, uma das peças que reergueram com violência a dramaturgia anglo-americana nos anos 1990, não se restringe mesmo à tradição.

E nas mãos de Paes Leme os seus diálogos agressivos, com provocações praticamente a cada palavra, ganharam uma velocidade que não havia na encenação original de Anna Shapiro. É um dos motivos, além da edição, para ter perdido cerca de uma hora.

Persistem as investidas dramáticas das figuras familiares levadas à cena, mas o sarcasmo de suas falas agora resulta, muitas vezes, em comédia sombria.

O público paulistano, também tão diferente do nova-iorquino, tem espasmos de risos —e depois de lágrimas—, muitas vezes num crescendo que acaba tomando a sala, a partir de um primeiro espectador ou espectadora que não consegue mais se conter diante daquilo.

No Brasil, a peça perdeu parte do título e mesmo o que sobrou não faz maior sentido: Originalmente era “August: Osage County”, referência a um condado ao lado de uma reserva indígena em Oklahoma, entre o Sul e o Meio-Oeste dos Estados Unidos, de planícies áridas, secas, sobretudo no calor de agosto, no verão do hemisfério Norte.

Mas perder algumas tintas locais, no título e na dramaticidade, abriu “Agosto” para uma proximidade maior com os espectadores e também os atores brasileiros, até uma universalidade.

A própria opção por um palco praticamente vazio, sem a também premiada casa vazada em três andares que ocupava quase todo o palco e apequenava os atores do Steppenwolf, é um ganho, no fim das contas —e não só pela solução mágica de Paes Leme, com “sobreposição dos ambientes e simultaneidade das situações”.

Com um humor inesperado diante do que se conhecia, mas sem cair em farsa ou paródia, crescem a inteligência e as nuanças nos conflitos da mãe, Violet, de sua filha mais velha, Barbara, e da irmã da matriarca, Mattie Fae.

A atuação de maior impacto é de Guida Vianna como Violet. É em torno dela, de suas palavras e ações impiedosas e realistas, que gira o ciclone familiar de “Agosto”.

Seu vaivém de monstruosidades e revelações galvaniza não só os demais atores, mas os espectadores.

A antagonista é Leticia Isnard, que faz uma Barbara existencialmente frustrada em sua racionalidade e contenção, uma mulher e mãe com resultados não muito melhores que Violet. Chamada a enfrentar a mãe avassaladora criada por Guida Vianna, a atriz reage à altura, entremeando crueldade e compaixão.

A terceira nesta peça de personagens femininas devastadoras, Mattie Fae, é interpretada por Eliane Costa com perversidade ainda maior, em relação ao próprio filho, mas também com sagacidade.

Em poucos minutos de apresentação, registre-se, o elenco de 11 atores alcança um patamar alto de atuação coletiva, como um “ensemble” de fato, impressionando pelo conjunto tanto quanto pelas individualidades.

]]>
0
No que tem de melhor, ‘O Leão no Inverno’ mostra como estamos podres https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/no-que-tem-de-melhor-o-leao-no-inverno-mostra-como-estamos-podres/ https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/no-que-tem-de-melhor-o-leao-no-inverno-mostra-como-estamos-podres/#respond Thu, 21 Jun 2018 11:40:03 +0000 https://cacilda.blogfolha.uol.com.br/files/2018/06/VY8A1853-320x213.jpg http://cacilda.blogfolha.uol.com.br/?p=16994 O Leão no Inverno
★★★
Teatro Porto Seguro, al. Barão de Piracicaba, 740, São Paulo. Sex. e sáb., 21h, e dom., 19h. Até 29/7. Ingr.: R$ 50 a R$ 80, pelo site www.tudus.com.br. 12 anos.

Escrita nos anos 1960 pelo americano James Goldman e passada na Inglaterra da Idade Média, “O Leão no Inverno” não é uma peça que conversa fácil ou diretamente com o público de hoje, não no Brasil atual.

Mas uma fala mais longa no meio da apresentação, da personagem de Regina Duarte, Eleanor, a rainha encarcerada, que o rei permite voltar ao palácio para o Natal, dá a chave tanto para o elenco quanto para o espectador sobre o que está em jogo.

Diz ela aos três filhos, que disputam nos bastidores quem vai herdar a coroa:

“Ah, meus inocentes, nós somos a origem da guerra. Não são as forças da história ou os tempos ou a justiça ou a falta dela, nem as religiões, nem os acontecimentos, nem as ideias, nem os tipos de governo, nem qualquer outra coisa. Somos nós.”

Então fica claro, como escreve o tradutor Marcos Daud no programa, que “são tempos curiosamente semelhantes aos nossos… de alianças e conluios, de golpes e trapaças, de luta pelo poder”.

Ou ainda, para continuar com a rainha de Regina Duarte, somos nós —os espectadores, os brasileiros— que semeamos a sífilis, que estamos podres.

Com a singeleza de expressão entremeada por ironia que o público de televisão conhece bem, a atriz pergunta: “Será que não temos capacidade de amar uns aos outros só um pouquinho? É assim que a paz começa”.

Obviamente, ninguém mais se ama ou vai se amar novamente naquela família que se confunde com o Estado.

Fora essa e algumas outras cenas, porém, tanto a atuação da protagonista quanto o espetáculo à sua volta se ressentem de elos mais próximos com a realidade —e buscam se proteger num afetado teatro de corte, de conflito interpessoal sem maior atrativo.

A própria atriz parece se refugiar por vezes numa voz anasalada e monocórdica, em suma, ausente.

Também Leopoldo Pacheco, outro intérprete de identificação imediata com o público, como atestado anteriormente no palco, tem agora dificuldade para se envolver com seu personagem, o rei Henry 2º, e aproximá-lo do espectador.

Não ajuda o fato de, na guerra familiar que representam, o filho mais velho e de maior projeção na trama, Richard, ser composto de uma maneira artificialmente afrontosa, sem sutileza, por Caio Paduan.

Isso lembrando que o papel foi de Anthony Hopkins, no filme célebre de 1968, e de Christopher Walken, na estreia da peça em 1966, na Broadway.

É preciso registrar por outro lado que, na apresentação vista, acrescentou-se o problema de uma plateia fechada para convidados de uma instituição, que se mostrou fria e até reativa ao que assistia. Olhando retroativamente, o elenco dirigido por Ulysses Cruz se defendeu bravamente, dadas as circunstâncias.

]]>
0